Brasil

Marcha das Margaridas - 2007 RAZÕES PARA MARCHAR

 

A força firme, alegre e moderada
das mulheres organizadas

 

 

Cerca de 50 mil mulheres realizaram em Brasília o que muitos qualificam como a maior mobilização feminina dos últimos tempos em todo o mundo. Pelo acesso da mulher à propriedade da terra, contra a fome e a violência sexista no campo, pela reforma agrária e a defesa dos direitos trabalhistas e sociais da mulher, as Margaridas da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) abalaram os alicerces da capital mostrando em cada passo uma força amigável, aberta, abrangente, alegre e vigorosa.

 

O estrondoso êxito da III Marcha das Margaridas* tem várias razões: sem dúvida o afinado e exaustivo trabalho prévio realizado pela Comissão da Mulher da CONTAG coordenada pela também vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Foro, e pela equipe de quase 30 coordenadoras regionais que mobilizou as bases da organização em todo o país. As mulheres que marcharam durante a manhã da quarta-feira passada, dia 22 de agosto, formando um cortejo de três quilômetros que se deslocou pelas largas avenidas de Brasília até se espalhar pela monumental esplanada do Congresso, provinham sem dúvida do Brasil “mais profundo”, o Brasil do campo, parte essencial das riquezas culturais de um país com a responsabilidade de dispor das maiores reservas mundiais de biodiversidade e água doce no mundo.

 

Também se percebia a fluente, solidária e inteligente relação desenvolvida com outras organizações sociais de mulheres nacionais e internacionais, como a Marcha Mundial das Mulheres, e dezenas de instituições do movimento brasileiro feminista e o movimento operário urbano. Esta atitude de união, convocação e inclusão é, sem dúvida, outra das razões essenciais que além do número, da quantidade, deu a esta Marcha uma singular qualidade, uma especial visibilidade dos muitos territórios sociais e políticos brasileiros.

 

De ontem a hoje

 

Não se deve perder de vista a perspectiva histórica, o incessante crescimento que a CONTAG vem tendo há mais de 40 anos, até a sua realidade atual de 27 Federações e 4 mil Sindicatos que representam 20 milhões de trabalhadores e trabalhadoras do campo. Assim foi lembrado por Manoel José dos Santos, presidente da CONTAG, durante sua intervenção na Marcha das Margaridas e no Congresso Nacional. Manoel evocou os duros anos da ditadura, durante os quais “foram varridos os dirigentes, os sindicatos, as federações e a CONTAG mesma, cuja vida interna ficou vigiada por interventores”.

 

Relatou as heróicas jornadas e ações que fizeram com que a CONTAG permanecesse viva enquanto a ditadura tomava conta do movimento social brasileiro e tentava desviá-lo para um estacionamento de luxo e inofensivo. Evocou vários companheiros e companheiras que nos “anos de chumbo” sustentaram os valores da organização, e especialmente “Zefia, que foi assessora da CONTAG nos tempos da ditadura militar, e foi a primeira voz que começou a defender a idéia de que era necessário organizar as mulheres nos municípios, estados e a nível nacional. Naquela época nosso movimento sindical era machista e nem sequer aceitava que uma voz de mulher fosse respeitada. Quem não lembra que naquele tempo as mulheres apenas figuravam no rodapé da carteira de trabalho do seu marido? Portanto, hoje devemos ser justos com a história; a companheira Zefia merece que a apresentemos como a primeira guerreira neste processo de discussão”.

 

Manoel enfatizou que “Hoje as mulheres avançaram organizando-se a partir de suas comunidades e municípios, e não podemos deixar de mencionar a companheira Hilda, de Pernambuco, que foi a primeira coordenadora da Comissão da Mulher da CONTAG. Foi seguida pela companheira Raimundinha Celestina, do Ceará, a primeira mulher eleita num Congresso de nossa organização como coordenadora das Mulheres. Estas vitórias, estes avanços, não foram uma dádiva do governo nem dos dirigentes sindicais homens, foram conquistadas por vocês, companheiras, pela bravura de sua luta”.

 

Manoel enfatizou que “Hoje as mulheres avançaram organizando-se a partir de suas comunidades e municípios, e não podemos deixar de mencionar a companheira Hilda, de Pernambuco, que foi a primeira coordenadora da Comissão da Mulher da CONTAG. Foi seguida pela companheira Raimundinha Celestina, do Ceará, a primeira mulher eleita num Congresso de nossa organização como coordenadora das Mulheres. Estas vitórias, estes avanços, não foram uma dádiva do governo nem dos dirigentes sindicais homens, foram conquistadas por vocês, companheiras, pela bravura de sua luta”.

 

O futuro deverá ser do povo

 

Após, Manoel fez uma reflexão sobre o modelo agrícola que sempre se impôs no Brasil durante os governos anteriores, com base no latifúndio, na produção sem gente que expulsou milhares de famílias do campo para as cidades. “E hoje –advertiu Dos Santos–, o presidente Lula tem a grande missão de avançar na reforma agrária e consolidar a agricultura familiar como forma de garantir o desenvolvimento do país. Já avançamos significativamente, mas não bastam somente créditos, precisamos de assistência técnica para usar esses recursos. É preciso limitar o tamanho das propriedades, porque não podemos continuar com esta situação onde quem tiver dinheiro suficiente pode comprar o país inteiro. Devemos pôr uma barreira aos estrangeiros que estão vindo comprar terra para produzir etanol com o pretexto de que é uma energia limpa do ponto de vista ambiental, esquecendo que nada pode ser limpo se não for justo do ponto de vista social. Não podemos permitir que a cana-de-açúcar tome conta dos espaços da agricultura familiar. Que não queiram nos enganar com a suposta geração de empregos! Isso não é verdade! O mono cultivo se estende sobre a base da mecanização, e o desenvolvimento que produz é para beneficiar apenas alguns grupos políticos, porém sem distribuir renda para o povo”.

 

“Por isso, companheiras: unam-se!  –exclamou Manoel dos Santos–. Vocês, que vieram até Brasília, juntem-se com outros milhões, vamos chamar os homens para que também venham lutar. Chame o seu namorado, o seu marido, o seu irmão, e vamos à luta, porque só lutando poderemos mudar este país! Quero deixar um beijo e um abraço em todos os corações da mulheres e homens desta Marcha e conclamá-los a avançar, já que falta pouco”.

 

Este emotivo discurso foi o corolário de uma festa extraordinária, celebrada desde o primeiro minuto com a alegria, a leveza, o fervor tranqüilo e bem humorado que emanam de todas as mobilizações da CONTAG, seja o Grito da Terra ou, como nesta ocasião, a Marcha das Margaridas. Participar delas, caminhar junto aos trabalhadores e trabalhadores na agricultura é engajar-se numa matéria sem ameaças nem hierarquias verticais, sem galões nem capatazes. A Marcha das Margaridas também foi a marcha do sorriso, da confiança, da clara noção de que o tempo é agora, mas também é amanhã, e por isso todos e todas merecem ser cuidados. Por isso mais do que caminhar, esta Marcha com a marca da mulher voou com leveza e orgulho, com direção certeira e ritmo justo, e terminou abraçando o futuro, sabendo que na próxima IV Marcha das Margaridas serão encontradas mulheres ainda mais organizadas, mais numerosas, mais fortes e com novas reivindicações e anseios, mas sempre com a alegria de estar onde se quer estar.

 

Viva a Marcha das Margaridas!

 

Em Brasília, Carlos Amorín

© Rel-UITA

27 de agosto de 2007

 

 

 

* A Marcha recebe este nome em homenagem à reivindicação de Margarida Alves, presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, no estado da Paraíba, que foi assassinada no dia 12 de agosto de 1983 quando voltava para a sua casa acompanhada pelo seu filho de dez anos e que presenciou a dramática morte de sua mão. Dos cinco fazendeiros indiciados como “autores intelectuais” do homicídio, só dois chegaram a julgamento, e ambos foram absolvidos.

 

 

Fotografías: CONTAG | Rel-UITA

 

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