Uruguai

Com José Oxley

Todo Paysandú defenderá as

 fontes de trabalho em Norteña

 

O secretário geral do sindicato de Norteña denuncia que a empresa oculta seus planos de fechar a fábrica de cerveja de Paysandú, bem como a situação monopólica que estaria por criar-se no setor cervejeiro uruguaio. "AmBev tem uma atitude imperialista, mas nós defenderemos uma por uma as nossas fontes de trabalho", assegura Oxley. 

A fábrica Norteña pertenceu a capitais nacionais até 1969, quando foi comprada pelo grupo alemão Oetker. Três décadas após, no ano 2000, a unidade foi adquirida pelo grupo brasileiro AmBev, resultante da fusão entre Brahma e Antarctica.

- Quais foram as conseqüências dessa mudança de proprietários?

- A mais importante é que, por primeira vez na nossa história sindical, vemos com preocupação que estão em perigo as nossas fontes de trabalho.

- Por que?

- É do conhecimento público que a AmBev está concretizando uma aliança estratégica com o grupo Bemberg, produtores da cerveja Quilmes, da Argentina e, portanto, a indústria cervejeira uruguaia passará a ser um monopólio. Neste negócio a AmBev pagaria uma parte em dinheiro e o resto entregando os ativos das cervejarias que tem no Uruguai, isto é, a de Minas (Salus-Patricia) e a de Paysandú (Norteña e Prinz) que passariam a ser administradas pela Bemberg. Entretanto, a AmBev seguiria desenvolvendo aqui o que realmente lhe interessa que é a cevada maltada. Quer dizer que com excepção da Malteria Oriental, propriedade de capitais chilenos, toda a indústria cervejeira uruguaia ficará nas mãos desta aliança AmBev-Bemberg.

- Hoje, qual é a situação dessa indústria?

- O impacto desta recessão está afetando muito fortemente. O consumo de cerveja caiu aproximadamente 50 por cento, as três fábricas que ficariam dentro da aliança têm capacidade ociosa e sabemos que nos planos dos empresários existem poucas possibilidades de que permaneçam as três em funcionamento. Temos a impressão que já existiria alguma orientação com respeito a que unidade ficaria aberta, e precisamente não é a de Norteña.

- Que é que lhes dá essa impressão?

- Os investimentos que se fizeram em Minas, ampliando e modernizado a fábrica. Também vemos que na política comercial dos últimos meses é óbvio que a Norteña e Prinz desapareceram dos anúncios publicitários do mercado. Não há qualquer evento patrocinado pela Norteña, nem programa de televisão, nada. Existe una sorte de canibalização destas marcas. Nas conversas que mantivemos com a empresa temos dito que, assim como passamos conflitos muito duros, também estivemos abertos à inovação: fomos os primeiros na indústria da bebida em fazer convenções coletivas analisando, junto com a empresa as dificuldades de cada momento, instauramos a semana de 36 horas em lugar de 48 para absorver o impacto da renovação tecnológica da fábrica, fomos ao seguro de desemprego de forma rotativa com uma compensação da empresa para minimizar o impacto econômico e social dessa situação. Agora lhe formulamos à empresa que exigimos o mesmo nível de madureza, e que se já têm uma decisão tomada com respeito ao destino da fábrica, será melhor conhecê-la quanto antes porque isso permitirá aprofundar alguma das propostas alternativas que nós temos.

- Quais propostas?

- O sindicato é proprietário de uma chácara de 30 hectares localizada a 30 quilômetros de Paysandú e estamos vendo a possibilidade de desenvolver nesse sítio uma horta orgânica. Em torno do sindicato existem empreendimentos como um posto de pronto socorro e outro odontológico, uma mesa de compras, e tudo isso nos preocupa porque depende do sindicato. Estamos trabalhando com os diferentes atores sociais e políticos, temos estado no Parlamento falando da situação, com o prefeito de Paysandú que apoia a nossa defesa das fontes de trabalho.

- Quantos trabalhadores tem a Norteña?

- Neste momento somos 210 trabalhadores, dos quais 27 estão no seguro de desemprego. Não podemos negar que com a grande queda do consumo e o fim das exportações é difícil que o mercado interno suporte a existência de três marcas diferentes. Enquanto havia concorrência podíamos subsistir, mas quando se instala uma situação monopólica a coisa se complica muito.

- Vocês temem que a marca Norteña desapareça 

- Não a marca, mas sim a fabricação em Paysandú. É provável que estejam pensando em fabricá-la em Montevidéu ou em Minas.

- É difícil imaginar Paysandú sem a Norteña.

- Porque a esta altura é um emblema da cidade, não só porque está lá há 50 anos, senão por tudo o que gerou a fábrica na cidade. Por exemplo, a Semana da Cerveja, que é um dos acontecimentos turísticos mais importante do Uruguai. Nasceu de uma sugestão de um trabalhador da Norteña à gerência comercial da empresa. Durante essa semana chegam a Paysandú - que tem 85 mil habitantes - cerca de 450 mil pessoas que ultrapassam a capacidade hoteleira, e muitas casas de família funcionam como albergues. É um acontecimento muito importante econômica, social e culturalmente, participam números artísticos de renome internacional, a Prefeitura de Paysandú construiu um anfiteatro com capacidade para mais de 20 mil pessoas, que apenas justifica seu tamanho nessa semana.

- Este seria o golpe de graça à indústria de Paysandú...

- É isso mesmo, porque não vai ficando muito. A empresa Paycueros está muito reduzida pela terceirização, igual que Paylana. O nosso sindicato seria o último organizado da indústria privada local. Os restantes são funcionários públicos ou da prefeitura. Fábricas de todo tipo foram fechadas, começando por Famosa, seguindo com Azucarlito e muitas outras. Pensamos que por isso mesmo Paysandú estará disposta a lutar por Norteña, porque, embora o capital seja estrangeiro, há muito tempo que o produto é sentido como próprio por todo o departamento, cuja história social e cultural está, em parte, marcada pela fábrica e seus efeitos múltiplos sobre a gente. Por outro lado, para o sindicato não só está a fonte de trabalho, que obviamente é essencial, também toda a estrutura que existe em torno do sindicato, como os postos de socorro que prestam atendimento a toda a família do sócio, a biblioteca que compra os livros que necessitam as crianças e jovens até a educação profissional, um grupo de compras ou de consumo que funciona num local especialmente construído para esses casos pelo sindicato; temos uma caixa de auxílio que funciona como aval dos sócios para o comércio local que outorga empréstimos com a nossa garantia.

- Que reações houveram nos âmbitos políticos?

- Boas, a Comissão de Indústria da Câmara dos Deputados convocou o gerente geral da AmBev no Uruguai, Jorge Rocha, que ainda não se apresentou, embora se comprometeu a ir proximamente. No âmbito local ficou integrada uma comissão conjunta pela Prefeitura e a empresa, onde se discutem as decisões futuras.

- Quais as expectativas, então?

- É uma situação difícil e, além disso, a empresa tem maus antecedentes no Brasil, porque quando se fusionaram a Brahma e a Antarctica estiveram mais de um ano negociando com o sindicato para administrar algumas fábricas, ao nível dos trabalhadores, como cooperativas. Porém, um certo dia as fecharam, em forma unilateral, em 72 horas. Nós falamos que aqui não será tão fácil assim, que somos um sindicato único que não vão conseguir dividi-lo. Então, se vemos que a empresa não tem um procedimento transparente e maduro, então teremos um conflito. Não o desejamos, mas também não o rejeitaremos. Reconhecemos que as fontes de trabalho estão questionadas, porém, vamos defendê-las uma por uma.

- Vocês pensaram em administrar a fábrica como sindicato? 

- Essa é uma das alternativas que nós achamos viável. É uma marca consolidada, que possui um mercado concreto, e tentaremos discutir com a empresa a possibilidade de formar cooperativas de serviços que se encarreguem das funções que hoje estão terceirizadas. Também pensamos no desenvolvimento da chácara ecológica que pode gerar postos de trabalho, e outras possibilidades. Neste momento, o nosso sindicato está mantendo uma assembléia permanente e esta situação é uma grande comoção para todo Paysandú.

 

Autor:

Carlos Amorín

© Rel-UITA

 

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