Brasil

Cortadores mortos

Promovida pela Plataforma DHESC - Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais, foi realizada, no último dia 04 de outubro, no auditório Lucien Lison, na USP de Ribeirão Preto, São Paulo, uma audiência pública tendo em vista a investigação da morte de oito trabalhadores migrantes por excesso de cansaço, por fadiga no corte da cana.

 

Participaram da audiência o Flávio Valente, médico do Comitê Permanente de Nutrição da ONU, em Brasília, e membro da Plataforma DHESC; Sérgio Suiama, Procurador Regional dos Direitos do Cidadão de Ribeirão Preto; a professora Maria Aparecida de Maraes, da UNESP de Araraquara, São Paulo, e mais 170 pessoas, entre pesquisadores, advogados, sindicalistas, médicos, estudan-tes e membros da Pastoral dos Migrantes. 

 

A audiência é fruto das denúncias feitas também pela Pastoral dos Migrantes revelando a morte de oito trabalhadores migrantes entre 2004/2005, que não foram elucidadas. Segundo o Serviço Pastoral dos Migrantes, as circunstâncias das mortes apontam como sendo por excesso de trabalho.

 

O caso do migrante José Ezequais Souza Barros, 28 anos, de Timbiras, Maranhão, é bastante emblemático e revela as condições de vida e de trabalho. "Eu trabalhava na Usina Moreno, no município de Luiz Antônio, São Paulo, das 7h às 16h. Havia apenas 30 minutos de descanso para o almoço. Desloquei  o ombro no corte da cana e estou parado há dois meses sem nada receber. Cortava 10 toneladas por dia ao preço de R$ 1,30. Na hora do almoço tomava soro para não ter câimbra.

 

Num dia de trabalho de mais de oito horas o trabalhador desfecha um golpe de "taião" a cada 2,5 segundos. São cerca de 10 mil golpes por dia. Somando-se a esse esforço físico as condições de moradia, alimentação (marmita) a poeira e o calor, dá para se ter uma idéia por que os trabalhadores do corte da cana estão morrendo.

 

Para a professoras Maria Aparecida de Moraes, o trabalho no corte da cana é uma anarquia: "não há uma regulamentação única para a medição da produção a tal ponto que os trabalhadores nem sabem ao certo quantas toneladas contam por dia".

 

Segundo Carlita da Costa, da FERAESP, da região de Campinas os trabalhadores são enganados pois, segundo ela, "convencionou-se que um trabalhador, num dia de trabalho, corte em média 12 toneladas. Na verdade, ao se instalar um computador para a medição da produção, constatou-se que as ditas 12 toneladas correspondiam a mais de 20 toneladas".

 

Para a Irmã Inês Facioli, da Pastoral dos Migrantes de Guariba, São Paulo, os migrantes em sua maioria são jovens de 18 a 40 anos e são provenientes dos estados da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Maranhão e Paraíba. Muitos sequer têm o corpo formado para enfrentar o trabalho duro. Emagrecem e ficam "borrados" ou seja, não agüentam trabalhar o tempo todo e têm que pedir ajuda aos colegas para terminar sua tarefa.

 

Diante do excesso de cansaço muitos dizem: "a gente corta cana com o diabo no corpo; não dá para enfrentar o trabalho de cara limpa", segundo informou a professora Maria Aparecida, muitos fazem uso de drogas para poder resistir.

 

Para Flávio Valente, é preciso fiscalizar qual é de fato a produção de cada trabalhador, punir os gatos, e conferir se de fato é usado o Randap, para forçar o amadurecimento homogêneo da cana, pois entre outros fatores, o uso deste agente químico poderia estar relacionado com as mortes.

 

Entre alguns encaminhamentos da audiência pública podem ser citados: realizar uma nova missão na região com relatores nacionais das áreas da saúde, alimentação e meio ambiente; fazer uma investigação sobre os produtos químicos utilizados na área canavieira; fiscalizar os prontuários médicos dos hospitais; conhecer os motivos pelos quais as Delegacias Regionais do Trabalho da região de Ribeirão Preto não estão atendendo aos pedidos de fiscalização por parte dos sindicatos rurais; fortalecer uma atuação integrada entre sindicatos, ONGs, Ministério Público, Ministério do Trabalho e sociedade civil na luta pela dignidade dos cortadores de cana; indicar comissões para atuarem em questões específicas; e combate á terceirização (gatos).

 

Adital

20 de octubro de 2005

 

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