Participaram da
audiência o Flávio Valente, médico do Comitê
Permanente de Nutrição da ONU, em Brasília, e membro
da Plataforma DHESC; Sérgio Suiama, Procurador
Regional dos Direitos do Cidadão de Ribeirão Preto;
a professora Maria Aparecida de Maraes, da UNESP de
Araraquara, São Paulo, e mais 170 pessoas, entre
pesquisadores, advogados, sindicalistas, médicos,
estudan-tes e membros da Pastoral dos Migrantes.
A audiência é fruto das denúncias feitas também pela
Pastoral dos Migrantes revelando a morte de oito
trabalhadores migrantes entre 2004/2005, que não
foram elucidadas. Segundo o Serviço Pastoral dos
Migrantes, as circunstâncias das mortes apontam como
sendo por excesso de trabalho.
O caso do migrante José Ezequais Souza Barros, 28
anos, de Timbiras, Maranhão, é bastante emblemático
e revela as condições de vida e de trabalho. "Eu
trabalhava na Usina Moreno, no município de Luiz
Antônio, São Paulo, das 7h às 16h. Havia apenas 30
minutos de descanso para o almoço. Desloquei o
ombro no corte da cana e estou parado há dois meses
sem nada receber. Cortava 10 toneladas por dia ao
preço de R$ 1,30. Na hora do almoço tomava soro para
não ter câimbra.
Num dia de trabalho de mais de oito horas o
trabalhador desfecha um golpe de "taião" a cada 2,5
segundos. São cerca de 10 mil golpes por dia.
Somando-se a esse esforço físico as condições de
moradia, alimentação (marmita) a poeira e o calor,
dá para se ter uma idéia por que os trabalhadores do
corte da cana estão morrendo.
Para a professoras Maria Aparecida de Moraes, o
trabalho no corte da cana é uma anarquia: "não há
uma regulamentação única para a medição da produção
a tal ponto que os trabalhadores nem sabem ao certo
quantas toneladas contam por dia".
Segundo Carlita da Costa, da FERAESP, da região de
Campinas os trabalhadores são enganados pois,
segundo ela, "convencionou-se que um trabalhador,
num dia de trabalho, corte em média 12 toneladas. Na
verdade, ao se instalar um computador para a medição
da produção, constatou-se que as ditas 12 toneladas
correspondiam a mais de 20 toneladas".
Para a Irmã Inês Facioli, da Pastoral dos Migrantes
de Guariba, São Paulo, os migrantes em sua maioria
são jovens de 18 a 40 anos e são provenientes dos
estados da Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Maranhão
e Paraíba. Muitos sequer têm o corpo formado para
enfrentar o trabalho duro. Emagrecem e ficam
"borrados" ou seja, não agüentam trabalhar o tempo
todo e têm que pedir ajuda aos colegas para terminar
sua tarefa.
Diante do excesso de cansaço muitos dizem: "a gente
corta cana com o diabo no corpo; não dá para
enfrentar o trabalho de cara limpa", segundo
informou a professora Maria Aparecida, muitos fazem
uso de drogas para poder resistir.
Para Flávio Valente, é preciso fiscalizar qual é de
fato a produção de cada trabalhador, punir os gatos,
e conferir se de fato é usado o Randap, para forçar
o amadurecimento homogêneo da cana, pois entre
outros fatores, o uso deste agente químico poderia
estar relacionado com as mortes.
Entre alguns encaminhamentos da audiência pública
podem ser citados: realizar uma nova missão na
região com relatores nacionais das áreas da saúde,
alimentação e meio ambiente; fazer uma investigação
sobre os produtos químicos utilizados na área
canavieira; fiscalizar os prontuários médicos dos
hospitais; conhecer os motivos pelos quais as
Delegacias Regionais do Trabalho da região de
Ribeirão Preto não estão atendendo aos pedidos de
fiscalização por parte dos sindicatos rurais;
fortalecer uma atuação integrada entre sindicatos,
ONGs, Ministério Público, Ministério do Trabalho e
sociedade civil na luta pela dignidade dos
cortadores de cana; indicar comissões para atuarem
em questões específicas; e combate á terceirização
(gatos).
Adital
20 de octubro de 2005