Descontruíndo o mito:

O assédio moral ou violência moral

A (nova) velha forma de violência no cotidiano de trabalho

 en enfermagem e saúde

 

Trata-se de estudo sobre o problema do assédio moral, prática antiga, porém, pouco difundida que atinge milhares de trabalhadores e trabalhadoras em diversas áreas profissionais, inclusive na Enfermagem e na Saúde. O assédio moral ou violência moral no trabalho representa um jogo de poder que violenta, humilha e intimida pelo medo, mas que, sobretudo, afeta a saúde de trabalhadores e trabalhadoras.

 

Considera-se assédio moral ou violência moral no trabalho1 todas as ações, gestos ou palavras que atinjam, pela repetição,  a auto-estima e a segurança do(s) ser(es) humano(s), fazendo-o(s) duvidar(em) de si e de sua competência, implicando em danos ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício. Ou seja, todas as atitudes que são capazes de ferir a personalidade, a dignidade da pessoa, a integridade física e/ou psíquica do(s) ser(es) humano(s), colocando em risco o emprego e afetando o ambiente de trabalho.

 

Alguns atos e atitudes observados 2 no cotidiano de trabalho são descritos a seguir para servir de informação e, ao mesmo tempo, alertar os trabalhadores e trabalhadoras:

 

-     Críticas freqüentes e persistentes ao trabalho de determinado(a) profissional;

-     Jogos de poder;

-     Jogos de interesses;

-    Discriminar trabalhador ou  trabalhadora por qualquer motivo, tudo é pretexto para a discriminação;

-     Pressionar/ fazer pressão sobre  o trabalhador ou a trabalhadora;

-     Chamar a atenção do trabalhador ou da trabalhadora ou de colega na frente de outras pessoas, humilhando-os em público (o público neste caso pode representar uma forma testemunhal de assédio);

-     Promover clima de pessimismo e/ou de terrorismo no trabalho;

-     Retirar a autonomia do profissional (fato muito comum dentro da esfera das profissões na área da Saúde);

-     Contestar a todo momento decisões ou opiniões da vítima;

-     Restringir ou proibir o acesso da(s) vítima(s) a instrumentos de trabalho como telefone, fax, computador, etc.;

-     Isola, separa a(s) vítima(s) dos colegas de trabalho;

-     Espalhar boatos e rumores de que a(s) vítima(s) tem/têm problemas de ordem psicológica ou mesmo psiquiátrica;

-     Dirigir-se ao(s) trabalhador(es) ou à(s) trabalhadora(s) aos gritos;

-     Sobrecarregar o trabalhador ou a trabalhadora com tarefas, muitas vezes inexeqüíveis;

-     Ignorar e/ou excluir o trabalhador ou a trabalhadora, dirigindo-se a ele/ a ela através de terceiros ou mandando recados através de bilhetes ou de E-mail;

-     Rebaixar o trabalhador ou a trabalhadora de função ou cargo;

-     O silêncio perante a vítima é uma das formas mais suspeitas de assédio moral;

-     Não convidar o trabalhador ou a trabalhadora para participar de reuniões e de eventos;

-     Sonegar informações de forma insistente;

-     Apoderar-se das idéias de outras pessoas;

-     Manipular informações de forma maldosa;

-     Descumprimento do Código de Ética (inclusive Código de Ética de empresas) e da legislação trabalhista.

 

Convém ainda alertar os trabalhadores e as trabalhadoras para as ameaças que são realizadas com extrema freqüência por parte dos agressores. A ameaça é ato criminoso e a ameaça de extermínio da vítima, ou seja, a ameaça de morte é crime, devendo ser registrada e denunciada (data, hora, local, palavras utilizadas e se possível, com arrolagem de testemunhas).

 

As principais formas de assédio moral em Enfermagem identificadas são:

 

-     Humilhações, principalmente em público;

-     Humilhações “reservadas”, a portas fechadas, com ameaças;

-     Depreciar e denegrir a imagem do profissional;

-     Distorções de informações, boatos e rumores maldosos e falsos;

-     Insultos diversos: Gritos, críticas constantes, depreciação dos métodos de trabalho, banalização;

-     Ritos de disciplinamento e de poder;

-     Hegemonia de saberes de outras áreas da saúde, sem respeitar o saber da Ciência da Enfermagem;

-     Cerceamento de direitos;

-     Restrições, limitações, censura, cerceamento e/ou retirada de autonomia da Enfermagem e também de profissionais de outras categorias,  O projeto de lei do Ato Médico que está em tramitação serve de exemplo (e de alerta) para todas as ciências da Saúde: Enfermagem, Fisioterapia, etc.;

-     Cobranças absurdas por parte de chefias;

-     Delegação de tarefas inexeqüíveis;

-     Desrespeito entre profissionais da equipe e de outras categorias;

-     Fiscalização e “controle” dos profissionais;

-     Ausência de transparência entre os profissionais da saúde;

-     Atribuição de tarefas não condizentes com o cargo, a função ou mesmo área profissional;

-     Desrespeito por parte da mídia em relação aos profissionais da equipe de Enfermagem, denegrindo e desrespeitando a imagem dos profissionais através de propagandas, filmes, músicas, capas de CDs, cartazes, etc.

 

A expressão assédio moral ou violência moral  não consta no Código Penal Brasileiro, mesmo após a reformulação recente deste código. A expressão que mais comumente aparece na literatura especializada é dano moral 3. Convém ressaltar que até a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, não existia reconhecimento acerca de dano moral à pessoa.

 

A palavra dano provém do latim damnum e que significa qualquer prejuízo material ou moral causado a determinada pessoa. O dano moral pode ser definido como uma lesão decorrente de determinado evento de outrem a um bem ou interesse jurídico patrimonial ou moral da pessoa, podendo também ser objeto do Direito os modos de ser da própria pessoa na vida social.

 

Mesmo diante das dificuldades encontradas, há duas atitudes fundamentais e imprescindíveis a serem adotadas: a denúncia dos agressores e a divulgação ampla de informações e medidas como a organização de associações, grupos, a criação em caráter de extrema urgência de legislação pertinente, incluindo a introdução da expressão assédio moral ou violência moral no trabalho no Código Penal Brasileiro e na Constituição Nacional.

 

Algumas atitudes podem e devem ser adotadas:

 

-     Anotar com o máximo de detalhes, todas as humilhações sofridas,  anotar data (dia, mês e ano), hora exata, local ou setor, pessoas que testemunharam, conteúdo ou teor e tudo mais aquilo que a vítima julgar importante;

 

-     Evitar conversar sozinho, isto é, sem testemunhas com o(s) agressor(es) ou a(s) agressora(s), ir sempre acompanhado(a) de colegas ou mesmo de representante sindical;

 

-     Organizar o apoio é fundamental, dentro e fora das instituições ou empresas;

 

-     Dar visibilidade, procurando auxílio de colegas que já foram ou estão sendo vítimas de humilhações e de outras formas de assédio moral, buscar identificar o(s) agressor(es);

 

-     Exigir por escrito explicações do(s) ato(s) ao(s) agressor(es). A cópia deverá ficar em poder da vítima e o original encaminhado ao Recursos Humanos (RH) ou Departamento de Pessoal; Se possível, encaminhar também à Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA); A eventual resposta por parte do agressor também deve ser documentada. Se enviar por correio, enviar carta registrada e guardar o recibo consigo;

 

-     Procurar os sindicatos, se não houver sindicato, a primeira idéia é organizar um vale também procurar associações de classe ou representação da CIPA; Outro caminho é constituir advogado (ação individual ou em grupo); em caso de ação individual com carência de recursos financeiros, pode-se procurar a Justiça gratuita. Também pode-se recorrer ao Ministério Público, à Justiça do Trabalho, Comissão de Direitos Humanos;

 

 

-     Não se demitir do emprego em nenhuma hipótese: esta atitude só serve para dar vitória ao(s) agressor(es) que, em sua grande maioria, querem é justamente forçar a situação e fazer com que o(s) trabalhador(es) desista(m) do emprego;

 

-     Não se isolar, buscar apoio junto a colegas, familiares, amigos – o afeto e a solidariedade são essenciais para a recuperação da dignidade, identidade, cidadania e auto-estima das vítimas; Mostrar ao(s) agressor(es) que a(s) vítima(s) não está/estão sozinha(s) e que existe mobilização para enfrentamento do problema;

 

 

Não se intimidar, jamais deixar de denunciar. A denúncia representa a melhor arma no combate, evitando que surjam novas vítimas; a Lei do Silêncio só protege o(s) agressor(s), não protege em nada a(s) vítima(s) e garante a gravidade do problema da impunidade. O medo de demissão e represálias deixam muitos trabalhadores sem atitude.

 

 A principal e mais eficaz forma de prevenção está na informação: promover cursos que ajudem a conhecer o problema; além disso, exigir de deputados e representantes legais a mobilização para a criação em caráter de extrema urgência a inclusão do assédio moral ou violência moral no trabalho e de legislação pertinente, que hoje representa sério entrave no combate do problema; Denunciar todas as situações suspeitas e/ou concretas de assédio moral; Se você é chefe, diretor, dirigente, procurar manter um clima de cordialidade, de amizade e solidariedade entre os trabalhadores, invista em humanização, valorize os seres humanos; Abordagem ampla do tema nos cursos de formação profissional; Organização de entidades especializadas, sindicatos, associações e realização de palestras, simpósios, etc. esclarecedores sobre o tema. 

 

Heloisa Zimmer Ribas *

15 de agosto de 2005

  

 

REFERÊNCIAS:

 

1.   DIAS,HHZR. O “Des”cuidado em  saúde: a violência visível e invisível no trabalho de Enfermagem. [Dissertação]. Mestrado em Enfermagem. UFSC, 2002.

2.   BARRETO, MMS. Violência, Saúde e trabalho: Uma Jorna da de humilhações. [Dissertação]. Mestrado em Psicologia Social. PUC/SP, 2000.

3 .  WESTPHAL, RS. O dano moral  e o direito do trabalho: o novo Código Civil e a  caracterização do dano moral nas relações de trabalho. Florianópolis: Momento Atual, 2003.

 

 

* Heloisa Helena Zimmer Ribas Dias, Enfermeira, Docente da Universidade Regional de Blumenau

   Mestre en Enfermagem (UFSC), Especialista en Violência Doméstica (UPS)

 

 

  UITA - Secretaría Regional Latinoamericana - Montevideo - Uruguay

Wilson Ferreira Aldunate 1229 / 201 - Tel. (598 2) 900 7473 -  902 1048 -  Fax 903 0905