Brasil

Humanizar o trabalho:

a chave para evitar as L.E.R.

 

“Com saúde não se brinca”. Em tempos de LER (Lesões por Esforços Repetitivos), nada mais atual nem mais esquecido do que este velho ditado. Muitos trabalhadores sentem dores nos braços, ombros, pescoço e outras partes do corpo, mas continuam a trabalhar. No mesmo ritmo, sob a mesma pressão, usando os mesmos instrumentos. A ficha só cai quando a pessoa não consegue mais pentear o cabelo ou segurar um copo. E como as LER são doenças invisíveis, não é raro um portador ser alvo de piadas. Mas LER não se vê, sente-se. Quem tem, sabe.

 

 

 O que fazer ao sentir dor?

 

Roberto Ruiz *

 

Ao constatar dores no corpo, e havendo a suspeita de que elas possam estar relacionadas ao trabalho, a primeira providência deve ser consultar um médico de confiança.

 

Essa relação de confiança é fundamental, porque o diagnóstico das LER é clínico, ou seja, feito pelo médico, sem necessariamente o auxílio de exames - não existem avaliações que captem tais lesões. É obrigação ética do médico realizar um levantamento do histórico pessoal e de trabalho do profissional lesionado para chegar a um diagnóstico.

 

Sempre que houver suspeita de que uma lesão foi originada no ambiente de trabalho, deve ser emitida uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). É ela que dará ao trabalhador, entre outros direitos, estabilidade de um ano no emprego após o retorno ao trabalho. Esse documento deveria ser emitido pelo médico do trabalho da empresa, mas na prática isso geralmente não acontece.

“Os jornalistas têm que tomar muito cuidado. Além de estarem bastante expostos à possibilidade de serem portadores de tendinites ocupacionais, as LER, eles também sofrem riscos grandes de terem alterações do campo da esfera mental, porque sem dúvida nenhuma a profissão é bastante estressante. Num ambiente de trabalho onde tem um ou dois jornalistas para fazer tudo, não era um local que precisava ter três ou quatro? Então, que tal uma hora de massoterapia, de relaxamento, não seria uma coisa interessante? E eu parto do princípio de que a gente tem que buscar o melhor, porque alguém poderia dizer: ‘Mas o que é isso, que tipo de proposta é essa? Levar uma coisa dessas para dentro do ambiente de trabalho?’ Eu parto do princípio de que a gente tem que, cada vez mais, humanizar o trabalho e não deixar ele cada vez mais acelerado, acima da capacidade fisiológica humana, seja física ou mental. O trabalho é um meio. Ele tem que ser um meio para a gente ser feliz. O trabalho não pode escravizar, não pode ser instrumento de pressão e de opressão. Tem que ser um meio prazeroso para a gente ser feliz. Temos que quebrar essa lógica, isso é fundamental. Agora, cabe a quem pensa assim, a quem é oprimido, aos excluídos, começar a levar essa lógica para frente.”

 

“O compromisso do médico é com o paciente. O compromisso com a saúde financeira e com a proteção jurídico-administrativa da empresa cabe ao gerente, ao administrador, ao economista”, diz o coordenador do Programa de Saúde do Trabalhador em Santa Catarina, Roberto Ruiz. Infelizmente, em muitos casos o profissional da medicina defende o empregador. Nesses casos, alerta Ruiz, é necessário encaminhar uma denúncia ao Conselho Regional de Medicina (48-223.5122).

 

Para proteger os trabalhadores dos maus profissionais da medicina, a lei 8.213/91 faculta a qualquer pessoa o preenchimento da CAT. Apenas o campo chamado Laudo de Exame Médico é que precisa ser preenchido por um médico, que pode ser o profissional que atende o trabalhador lesionado. A lei permite tal prática porque, depois de emitida a CAT, um perito do INSS irá avaliar o nexo causal da lesão. Ou seja, irá verificar se ela foi realmente causada dentro do ambiente de trabalho.

 

O médico coordenador no estado do Programa de Saúde do Trabalhador, Roberto Ruiz, lembra que durante um debate sobre saúde do trabalhador, realizado no final de abril na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, o médico Alfredo Gandur Dacach Filho, representante do INSS, disse que até pouco tempo atrás havia uma cultura de descaracterização da CAT se ela não tivesse sido emitida por um médico. Esse era um dos grandes entraves para os trabalhadores lesionados, que agora está começando a ser superado.

 

Free-lancers

 

No caso dos autônomos, não é emitida uma CAT. Em caso de ocorrer incapacidade laboral provocada por lesão relacionada ao trabalho, deve-se encaminhar o atestado médico, solicitando o afastamento, à Previdência Social. “O que gera o recebimento desse benefício do INSS não é a doença, é a incapacidade para o trabalho”, alerta Ruiz.

 

Incapacidade

 

Ruiz explica também a diferença entre incapacidade para o trabalho e incapacidade para a função. Geralmente, um médico recomenda, inicialmente, mudança de função. Isso significa que a pessoa lesionada pode continuar trabalhando, mas em uma funçao que não provoque ou aumente a doença. O problema, atualmente, é que as funções são muito especializadas, e a incapacidade para a função pode significar incapacidade para o trabalho.

 

Epidemia?

 

Uma alteração sugerida pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) pode trazer boas novidades para os trabalhadores. No dia 29 de abril, o CNPS aprovou sugestão de que o nexo causal seja substituído pelo nexo epidemiológico. Segundo Roberto Ruiz, essa mudança altera o ônus da prova em caso de doenças laborais. Hoje, é o trabalhador que precisa mostrar ao INSS que a lesão foi causada no ambiente de trabalho (nexo causal). Com a mudança, no caso de doenças tipicamente relacionadas ao trabalho, como as LER, seria o empregador que teria de provar que ela não foi causada no ambiente de trabalho (nexo epidemiológico). Mas a implementação dessa mudança ainda pode demorar, ou mesmo nunca ser feita, pois depende de um longo caminho dentro da burocracia do Ministério da Previdência Social.

 

Conhecidas desde o século 18, as Lesões por Esforços Repetitivos (LER) são, entretanto, muito mais freqüentes nos dias atuais. Estima-se que hoje, no Brasil, elas correspondam a 80% dos casos de doenças ocupacionais. Em função disso, alguns pesquisadores já as caracterizam, entre aspas, como “epidemia”. O termo é usado entre aspas por estar sendo usado no sentido de uma doença que atinge grande número de pessoas. Tecnicamente, uma epidemia diz respeito apenas a doenças infecto-contagiosas.

 

 

Papel Jornal

13 de julio de 2004

 

 


* Roberto Ruiz é médico especialista em medicina do trabalho, mestre em saúde coletica pela Unicamp. Atua como assesor sobre saúde do trabalhador para o Sindicato dos Quimicos de São Paulo e coordena o Programa de Saúde do trabalhador em Santa Catarina. E também autor do livro "Um mundo sem LER é possivel"

 

 

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