A Comissão
de Justiça e Direitos Humanos da Câmara dos Deputados analisou, dia 7, as
conseqüências do ritmo intenso de trabalho na indústria avícola, que vem
gerando uma legião de trabalhadores lesionados e inválidos – vítimas da
aceleração do ritmo das nórias, correntes que transportam o frango até os
trabalhadores na linha de produção. Os parlamentares acompanharam os
depoimentos de ex-funcionários com lágrimas nos olhos. “A situação é bem
mais grave do que se imaginava. Ficamos emocionados com o grau de crueldade
dessa guerra econômica, que produz um exército de mutilados”, declarou a
deputada Luci Choinacki (PT-SC). Integrante da Comissão, a parlamentar
considerou “inaceitável a continuidade de uma relação social que agride a
dignidade do trabalhador”, alertando ainda para o incremento da participação
estrangeira no setor. “A desnacionalização é outro ponto preocupante”,
acrescentou.
As exportações do setor avícola vêm crescendo vertiginosamente – de 879
milhões de dólares, em 2000, para 2 bilhões e 862 milhões de dólares, até
outubro de 2005. Para atender a essa demanda, as empresas aceleram a
produção, mas não querem aumentar despesas com novas contratações – o que
resulta em mais trabalho para os empregados.
Nos três últimos anos, as exportações duplicaram, atraindo os grandes
conglomerados transnacionais. Famosa por suas práticas antisindicais (veja
matéria abaixo), a estadunidense Cargill abocanhou, entre outras, a Seara e
a Ceval, saltando no ranking das maiores empresas do Brasil, da 14ª
colocação, em 2003, para a 11ª, em 2004.
“Com a gripe aviária, as exportações aumentaram mais ainda. Mas as fábricas
não ampliaram o espaço físico nem contrataram mais pessoas. É preciso que os
parlamentares e o Executivo se posicionem com rapidez, pois o ritmo intenso
de trabalho está provocando graves enfermidades e isso é uma questão de
saúde pública”, defendeu o presidente da Confederação Nacional dos
Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac), Siderlei Oliveira.
Um dos problemas detectados, denunciou Oliveira, é que os trabalhadores
estão adoecendo cada vez mais precocemente. No caso das mulheres, há
registro de muitas manifestações de depressão, comumente relacionadas às
Lesões por Esforço Repetitivo (LER), conforme esclareceu Roberto Mauro
Arroque, médico perito do INSS numa região do Rio Grande do Sul onde estão
sediados frigoríficos de frango, entre eles a Penasul, hoje pertencente à
estadunidense Osi Group. Arroque informou que o quadro mais comum é a
síndrome do túnel do carpo.
INFLAMAÇÃO
O médico
explica que esse túnel é como se fosse um vale do antebraço, do punho, por
onde passa o nervo mediano, os tendões, que acabam comprometidos pelo
movimento contínuo das mãos. “A inflamação nos tendões afeta estruturas
próximas, músculos e nervos. O trabalhador passa a ter dificuldades, dor, e
se o quadro perdurar, pode ficar permanentemente incapacitado, inclusive
para atividades banais do cotidiano”, conta. A partir de uma certa altura,
esclarece Arroque, “a pessoa começa a se sentir incapaz e, por fim, se sente
inválida, temendo pelo próprio futuro, por sua integridade física, pelo
cuidado com seus familiares. É muito comum que o paciente com LER tenha
algum grau de depressão”.
Inconformado com a exploração a que os trabalhadores das indústrias avícolas
vêm sendo expostos, o perito desabafa: “Entendemos que ocorre às vezes um
fenômeno de despejo de funcionários da empresa – aqueles que não estão
rendendo o máximo – para cima da Previdência Social. É aproveitado o máximo
de sua capacidade, e às vezes o máximo é o esgotamento. Depois ainda exigem
um suquinho final. Então ele é mandado para nós no bagaço. Isso é muito
freqüente. Eu não diria que é a regra, mas está muito longe de ser a
exceção”.
DORES
Moradora da
cidade gaúcha de Lajeado e trabalhadora desde 1995 na Avipal – controlada
pelo grupo francês Doux –, Lourdes Fátima Dias Lopes contou que apesar de já
ter se submetido a cinco cirurgias, nas mãos e nos ombros, devido à
intensidade do serviço repetitivo, não houve cura e a dor permanece. “Chega
uma hora que a gente começa a sentir uma dor forte. Aí aquela dor no braço
sobe para o pescoço e dá uma dor intensa na cabeça. Esse é um dos sintomas
que eu sinto até hoje, e vem piorando. Tem bastante gente na empresa com o
mesmo problema. Não vou dizer que seja grave como o meu, mas que tem muita
gente operada na empresa por causa disso, tem, sim”.
Atendente do INSS na cidade de Serafina Correa, também no interior gaúcho,
Julce Maria Grechi relatou que são cada vez mais freqüentes os casos de
depressão: “A dor causada pelas doenças por esforço repetitivo abala a
pessoa, que vai trabalhar e não consegue desenvolver o serviço como
gostaria, e ainda tem cobrança dos superiores”.
Para pôr um freio a esses abusos, o presidente nacional da CUT, João Antonio
Felício, propõe o estabelecimento de normas que regulem o funcionamento das
nórias – implementação de tacógrafo; horário do setor reduzido para seis
horas diárias; rodízio nas funções – e reconhecimento, pelo INSS, de que as
lesões causadas pelos movimentos são uma doença profissional do setor.
As reivindicações constam da Agenda do Trabalhador, entregue pela CUT ao
ministro do Trabalho, Luiz Marinho; ao ministro da Previdência, Nelson
Machado; e aos presidentes da Câmara, Aldo Rebelo, e do Senado, Renan
Calheiros.
Leonardo Severo
Convenio La Insignia / Rel-UITA
20 de diciembre de 2005