Relatos de
trabalhadores do setor avícola chocam deputados |
"Eu trabalhava doente e pensava que ia morrer lá dentro,
porque a dor era terrível". O relato de Simone de Castro
Zanella chocou os parlamentares da Comissão de Direitos
Humanos e Minorias, sindicalistas e autoridades durante
audiência pública que discutiu a situação dos trabalhadores
do setor avícola no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
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Vítimas de doenças do trabalho
protestam contra desrespeito aos
direitos humanos no setor avícola.
Foto:
J. Batista |
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Aos 34 anos, Simone foi aposentada há seis em razão de
doença adquirida no trabalho realizado desde os 14 anos em
uma empresa avícola de Santa Catarina. Ela foi uma das
trabalhadoras ouvidas pela comissão que foram vítimas de
Lesões por Esforços Repetitivos / Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho (LER / DORT).
"Há uma flagrante violação dos direitos humanos dos
trabalhadores desse setor e a sociedade brasileira precisa
saber disso", alertou a deputada Maria do Rosário (PT-RS).
"Os consumidores de frango e embutidos não têm idéia do
sofrimento que existe na produção desses gêneros".
Toneladas
por dia
De acordo com o relato de Simone, sua jornada de trabalho
iniciava-se às 3h30 e só acabava às 13h30, com intervalo de
meia hora para almoço, às 9h30. Durante um dia normal, ela
limpava e pendurava de 100 a 160 frangos por minuto. Como
cada frango pesa em média 2,5 quilos, ela levantava a cada
hora quase 2 mil quilos.
O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas
Indústrias de Alimentação (Contac), Siderlei Oliveira,
afirmou que o ritmo de trabalho hoje é dado pelas máquinas,
sem o controle dos próprios trabalhadores, o que provoca as
doenças crônicas. O sindicalista denunciou à comissão o
"ritmo absurdo" de produção, que leva os trabalhadores a
ficaram doentes em apenas seis meses de trabalho. "Em
algumas cidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul,
onde estão os frigorificos, 20% da população está doente",
afirmou.
Velocidade
limitada
O procurador regional do Trabalho Egon Koerner Junior e o
médico sanitarista Roberto Ruiz, ambos de Santa Catarina,
concordaram com a necessidade de criação de uma norma
regulamentadora que estipule a velocidade máxima das nóreas
(correntes transportadoras dos frangos na linha de
produção). A exigência foi incluída no documento levado
pelos trabalhadores à comissão e que a deputada Luci
Choinacki (PT-SC) comprometeu-se em entregar ao presidente
da Câmara, Aldo Rebelo.
Os representantes dos trabalhadores exigem ainda a redução
da carga horária do setor para seis horas, como forma de
amenizar a exposição ao ritmo intenso de trabalho em
atividades repetitivas. O médico Roberto Ruiz lembrou que a
maioria dos casos de LER/DORT é previsível. "Ou seja, não é
acidente de trabalho, mas violação dos direitos humanos
relacionados à saúde."
O sanitarista defende que a velocidade máxima das nóreas e a
presença de tacógrafos (equipamentos medidores de
velocidade) na linha de montagem sejam incluídas
imediatamente na Norma Regulamentadora 17, para a qual o
Ministério do Trabalho estuda medidas complementares. "Não
agüentamos mais ver a doença de vocês, porque sabemos que é
evitável", completou o médico. Ele informou que a estimativa
de incidência de LER no Brasil chega a 250 mil casos por
ano, ainda que somente 11 mil sejam comunicados
oficialmente.
Política
conjunta
O diretor do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Rinaldo Marinho
da Costa Lima, afirmou que as denúncias revelam "a
ineficácia do Estado em combater a situação". Para ele, é
necessária a articulação entre os diferentes programas
governamentais realizados pelos ministérios do Trabalho, da
Saúde e da Previdência Social. "Somente uma Política
Nacional de Saúde e Segurança do Trabalhador, feita
conjuntamente por esses órgãos e com auxílio do Ministério
Público Federal, poderá dar resultado", argumentou.
O representante do governo explicou que a NR 17 trata de
ergonomia e regula a organização do trabalho (ritmo, pausas
e jornada). Mesmo assim, afirmou que o MTE tem um projeto
específico para o combate de LER/DORT para 2006, com
intensificação das ações de fiscalização no setor avícola.
Audiência
com ministros
Ao final da audiência, a deputada Luci Choinacki informou
que vai propor à Comissão de Direitos Humanos e Minorias a
realização de audiência pública sobre o assunto com os
ministros do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência
Social.
Já a deputada Maria do Rosário sugeriu a realização de
audiências nos estados onde se concentram as fábricas.
Cristiane Bernardes
Agência Câmara
9 de dezembro de 2005
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