A construção
de
uma "estratégia país"
Na quinta-feira passada, 2 de junho, a Rel-UITA participou do “Fórum Setor de
Carnes Uruguaio: diferentes enfoques, uma visão nacional”, promovido pela
Comissão da Indústria do Parlamento e pelo Instituto Nacional de Carnes (INAC),
e realizado nas salas do Palácio Legislativo em Montevidéu. Uma iniciativa
inédita no país, que reuniu todas as partes envolvidas no setor para que cada
uma delas expressasse o seu momento atual e a sua visão de futuro.
Com a presença do Presidente da
República, José Mujica, e os ministros da Indústria, do Trabalho,
Pecuária e Agricultura, da Central de Trabalhadores PIT-CNT, dos
empresários pecuaristas, o Fórum começou sua jornada de maneira muito
auspiciosa.
Em seu discurso, o Presidente
expressou que: "Se tivéssemos que definir o ser oriental, brincando um pouco
diríamos que somos uma espécie estranha de carrapato, porque vivemos nas costas
das vacas por muitos anos.
Esta atividade é central para o
país, de uma grande estabilidade, e tem demonstrado uma formidável capacidade de
resistência diante de condições adversas.
No entanto, é preciso melhorar
muitas coisas. As mais importantes exigem que os produtores assumam uma atitude
mais dinâmica, que não se conformem com o que já têm.
Os problemas da Carne -continuou- transcendem o setor para serem “problemas-país", mas acontece que a nossa
cultura dominante não percebe que tudo isso está dentro do escopo das razões de
nossa existência.
Portanto, agradecemos ao
Parlamento nacional, que está demonstrando elevada estatura intelectual, por
promover estes encontros que são uma boa mensagem para o país.
Aguardo ansiosamente conhecer as
conclusões deste trabalho que irão realizar hoje aqui", concluiu.
Em nome da UITA estiveram
presentes, entre outros, José Alberto Fantini e
Carlos Molinares, respectivamente, secretário-geral e secretário da
Organização da Federação Gremial do Pessoal da Indústria das Carnes e seus
Derivados, da Argentina.
Argentina
Preocupados
com o futuro do setor
Consultado pelo Sirel,
Fantini afirmou que a iniciativa do Fórum "é bastante interessante, e tem
recebido apoio do primeiro nível político uruguaio. Esperamos que aqui não sejam
cometidos os mesmos erros como na Argentina, que por terem a carne mais
barata a nível interno, perderam muitos postos de trabalho – afirmou-.
Em total são 7 mil os que ficaram
desempregados. No início, por causa de uma sequia muito prolongada que afetou
duramente a oferta de gado, mas também por causa das restrições à exportação
como mecanismo de regulação dos preços internos, sem nos esquecermos do avanço
da cultura da soja que nos afetou bastante, porque é muito mais rentável do que
a carne, tem um ciclo muito mais curto, e já vimos nas exposições aqui que isso
está começando a ocorrer no Uruguai.
De 70 milhões de cabeças de gado,
quantidade que sempre houve no país, hoje não chegamos nem a 60 milhões.
Nós queremos aproveitar estes
espaços para transmitir nossa experiência - prosseguiu Fantini-, porque
na Argentina houve também a esmagadora entrada de capitais,
principalmente dos brasileiros, que têm uma política diferente.
Neste momento estamos com 17
fábricas fechadas, 7 mil pedidos de subsídios por demissões, fábricas que operam
duas ou três horas ao invés de oito.
Estamos preocupados com os
salários, com as condições de trabalho, mas acima de tudo, com o que vai
acontecer amanhã com a indústria frigorífica argentina.
Isso reafirma que o caminho
tomado pelas nossas organizações na UITA para construir uma Coordenadoria
do Setor das Carnes do Mercosul é uma estratégia acertada -enfatizou -.
Quando nós trabalhadores nos
reunimos, nós nos unimos, para podermos tratar de todos os problemas de maneira
solidária e para concentrarmos esforços.
As empresas têm-se concentrado, e
nós devemos nos unir, coordenar, discutir em conjunto e trocar informações. Como
dizia Perón: "Se nós nos juntamos valemos muito mais", concluiu
Fantini.
Bonança no setor
avícola
Já Carlos Molinares disse
que "Na Argentina, estamos assistindo a uma perda importante de postos de
trabalho no setor bovino e, por outro lado, um forte aumento do emprego no setor
avícola, uma tendência que se mantém desde 2003 até agora.
Isso ocorre devido ao correto
aproveitamento feito pelo empresariado argentino com relação à evolução do
mercado com base em projeções ajustadas à realidade. O abate tem crescido a um
ritmo de 10 por cento anual, e deverá continuar nesse ritmo pelo menos até 2013.
Isso nos dá muita estabilidade
neste setor, e além de negociar bons salários, já conseguimos reivindicações
históricas, como a aposentadoria aos 50 e 55 anos para mulheres e homens,
respectivamente -destacou Molinares-.
No setor avícola o investimento é
nacional, enquanto que no setor bovino é principalmente brasileiro, com a JBS
ou a Marfrig e outras que, paradoxalmente, mantêm hoje fechadas muitas
das fábricas que adquiriram.
Algo que queremos deixar dito
aqui -afirmou Molinares- é que consideramos muito acertado terem
organizado este Fórum onde é possível escutar todas as partes que intervêm no
setor, e debater o que queremos para o futuro. Isto é uma coisa muito boa que na
Argentina, por exemplo, nunca se fez porque prevaleceram políticas que o
impediram.
Eu acredito que os trabalhadores
uruguaios devem permanecer muito atentos a todas essas circunstâncias, porque a
demanda mundial por alimentos continuará pressionando as carnes, mas também
outros produtos como a soja, o milho, etc, que estarão disputando pelas mesmas
áreas agrícolas e será fundamental manter o equilíbrio adequado no uso da
terra", concluiu.
Uruguai
Melhor distribuição e
mais emprego
Ariel Yakes,
presidente da Federação dos Trabalhadores na Indústria das Carnes e Afins (FOICA),
deixou claro que, se por um lado são dias de festa "para aqueles que se
beneficiam com a bonança dos preços internacionais da carne, a família
trabalhadora não está comemorando, longe disso.
As vendas com relação a pessoal
ocupado cresceram 11 por cento entre 2007 e 2010 -informou-. Em janeiro de 2007
o valor agregado pela indústria sobre o novilho foi de 144 dólares, e hoje
estamos em 214 dólares. Ao mesmo tempo, constata-se no mesmo período um forte
aumento nas exportações, tanto em dólares como em pesos uruguaios.
Esse crescimento deveria ser
acompanhado por uma justa distribuição de renda. Em 2000, o peso do salário no
PIB do setor era de 53 por cento, e em 2007, último dado disponível, foi
de 37 por cento.
Estamos preocupados com a
concentração e estrangeirização da indústria e do setor – alertou Yakes.
Para os empresários industriais,
a capacidade ociosa de cerca de 30 por cento é uma estratégia de acumulação e
maior centralização do que um problema.
Além de
negociar bons salários, já conseguimos reivindicações históricas,
como a aposentadoria aos 50 e 55 anos para mulheres e homens,
respectivamente (Carlos Molinares) |
A resposta encontrada pelos
pecuaristas para defender os seus interesses frente a uma indústria tão
concentrada é a exportação de gado vivo, mas cometeram erros graves, como a
venda de milhares de cabeças para a Turquia que oferece grandes subsídios
para recompor seu rebanho de carne.
Turquia
oferecia um subsídio aos seus produtores, para que importassem gado vivo, o que
aqui resultaria em um aumento de mais de 50 por cento do preço em relação ao
oferecido pela indústria local. Então, todo o mundo queria vender para a
Turquia. Mas o que vamos fazer se amanhã é a Rússia, que é o nosso
principal comprador, e dizem que só querem gado vivo? Nós vamos lhe
vender? Acabamos com a indústria local?", enfatizou o dirigente da FOICA.
Respondendo aos comentários do
representante da indústria frigorífica, argumentou que as diferenças salariais
no âmbito do Mercosul "não são tão importantes quanto os empresários
dizem, já que utilizam exemplos extremos, de fato, exceções à regra. Um
desossador, ganha no máximo, 600 dólares por mês, quando eles disseram que
ganharia 2 mil dólares mensais, incluindo os impostos".
"Queremos fazer uma análise séria
destas questões, para que sirva ao país, não só a nós, os 11 mil trabalhadores
da indústria das carnes. Os empresários devem saber bem que esta situação de
bonança, de bons preços, tem uma contracapa de 3 mil trabalhadores em
seguro-desemprego.
Quando a situação é ruim todos
nós perdemos, mas quando é boa ganham apenas eles, e isso não pode acontecer -sentenciou-.
Yakes
expôs a necessidade de formar uma Mesa Setorial "onde fossem discutidos todos os
problemas, que se chegasse a consensos e se atuasse em conjunto com base em
acordos com visão de país.
Quando
a situação é ruim todos nós perdemos, mas quando é boa ganham apenas
eles, e isso não pode acontecer
(Ariel Yakes) |
Temos o exemplo do que está
acontecendo na Argentina, e aqui ainda estamos a tempo para tomar outro
rumo.
Se a partir deste Fórum surge a
clara intenção de iniciar diálogos para uma coordenação, seria um grande
sucesso", concluiu Yakes.
Por outro lado, o deputado
Felipe Carballo, dinamizador
principal do Fórum, afirmou na conclusão da atividade que "foi um momento muito
enriquecedor, sincero e aberto, em que cada ator expôs o que
considera seus principais problemas.
A resposta do público foi
excelente, talvez superando nossas expectativas, e isso é uma indicação clara do
interesse que esta questão desperta na sociedade uruguaia.
Agora -anunciou- a nossa
Comissão da Indústria, que em conjunto com o INAC foram os organizadores
deste encontro, deverá examinar cuidadosamente e em detalhes tudo o que aqui foi
dito para começar a traçar políticas adequadas para o setor e, porque não,
juntar a vontade das partes para criar um âmbito comum de intercâmbio
permanente", concluiu.
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