Javier é o
secretário geral da Federação Estatal do Comércio, Hotelaria e Turismo das
Comissões Operárias (FECOHT-CCOO), uma referência histórica das CCOO e um
dirigente muito próximo da problemática e dos desafios do sindicalismo da
América Latina. Sirel o entrevistou com o propósito de saber sua opinião sobre
os impactos da crise e quais as suas expectativas para o IV Congresso da
FECOHT-CCOO, coordenado por ele de 31 de março a 1° de abril, em Baracaldo,
Bilbao.
-Onde você
nasceu?
-Em León, uma
fria mas bonita cidade da Espanha.
-Você vem do
setor hoteleiro.
-Venho. Sou
recepcionista.
-A sua história
profissional está em Madri?
-Não, trabalhei
em León, em Astúrias, nas Canárias, em Ibiza, na Catalunha e finalmente aqui em
Madri.
-Torcedor do
Atlético de Madri a vida inteira, ou este sofrimento é recente?
-No Atlético se
diz: “Nascido para perder!” No trabalho me filiei às Comissões Operárias,
no âmbito político ao Partido Comunista e no futebol ao Atlético de Madri, não
tenho chances. (ri)
-Há quantos
anos você já está nesta Federação?
-Nove anos e
meio ou dez, e uns 35 anos nas Comissões Operárias.
-Como você
analisa a atual conjuntura em que vive a Espanha?
-Temos dois
problemas: a crise financeira internacional, que nos afeta, e a nossa própria
crise de crescimento produtivo. Ambas coincidem, o que faz com que na Espanha
a crise seja mais dramática e o crescimento do desemprego muito mais rápido que
em outros países.
-Um país com
uma taxa de desemprego que ultrapassa ...?
-Os
14 por cento. Segundo estimativas da União Européia é provável que, em 2010,
cheguemos facilmente a 21,5 por cento,
o que significa um desastre pra o trabalho e a sociedade, com uma possível
explosão social. Vamos estar como no tempo de “Os Miseráveis”.
-O que está
acontecendo com o setor de turismo?
-Estamos em uma
situação preocupante. Nossa maior “importação” de turistas, para dizer de alguma
maneira, vem de países da Europa onde a crise pegou forte. Devido à
desvalorização da libra, alguns analistas preveem uma perda, nos próximos meses,
de 2 milhões de turistas provenientes da Grã Bretanha.
-A crise
impacta na atividade mais importante para a Espanha…
-Exato, sempre
foi a atividade mais estável, sempre esteve em expansão. Supõe aproximadamente
11 por cento do sistema produtivo espanhol. Apesar das crises anteriores, o
turismo sempre cresceu na Espanha, mas este é o primeiro ano que
decresce, o que pode significar um pequeno grande desastre.
-Se décadas de
bonança para o setor não se traduziram em benefícios reais para os trabalhadores
e trabalhadoras, o que podemos esperar agora?
-Eu fui um dos
que começou a trabalhar em hotelaria como um trabalho transitório e já estou há
39 anos nisso. Aqui conseguimos, com as dificuldades e os matizes que possam
existir, fazer do setor algo mais interessante, apesar dos baixos salários
continuarem a ser uma realidade.
-O que vai
acontecer com o desemprego em massa?
-Até hoje
conseguimos manter uma boa porcentagem dos empregos com carteira assinada, mas
quando as demissões também afetam esses trabalhadores e trabalhadoras…Ninguém
sabe o que acontecerá. Na Espanha não há outro setor que incorpore tanta
gente. O temor é que a qualidade que o setor ganhou a nível internacional se
perca e, com isso, todos perderemos. Então haverá que recomeçar tudo outra vez.
Não será simples, por causa da concorrência na América Latina que é muito
forte.
-Vocês têm
conhecimento do número de demitidos neste setor?
-Não, hoje é
impossível saber. Primeiro porque estamos em baixa temporada e muitas regiões
turísticas exclusivas não estão com a atividade que é própria da alta temporada.
Segundo, porque foram perdidos empregos por não renovarem os contratos, e isso
não é considerado demissão. Por isso temos que calcular entre a Semana Santa,
que é um ponto forte do turismo, e julho.
Mesmo assim, sabe-se que houve 196
mil desocupados em fevereiro, dos quais 60 por cento são de serviços, e
calculamos que 30 por cento sejam da hotelaria.
-Além de
empregos, teme-se pela investida empresarial contra direitos e conquistas
sindicais.
-Sim, e isso
não é só neste setor. Essa investida, como você diz, nao acontece só na
hotelaria, porque está surgindo da grande patronal espanhola e dos partidos de
oposição, aproveitando-se da crise para satisfazer antigas pretensões. Além
disso, esses partidos e a patronal se utilizarão do medo que hoje está
intensificado, e estamos seguros que haverá uma forte pressão sobre nossas
conquistas com relação a horários de trabalho, salários, férias, turnos, etc.
-Talvez esta
crise sirva para que muitos jovens se aproximem dos sindicatos…
-Certamente,
este é o momento de abrir os olhos e esperamos que muitos jovens desta geração
se aproximem, incluindo as gerações anteriores ainda jovens que viam os
sindicatos como a imprensa os catalogava. E isto já está acontecendo.
Hoje somos a
única ferramenta útil que sobra; hoje tu precisas de alguém que pense contigo,
que te dê uma saída, que te oriente, e essa aproximação vai acontecer, já está
acontecendo, apesar de que, quando as coisas voltarem a melhorar, as pessoas
tenderão a pensar que já não será necessário. O eterno debate.
-Como você vê o
futuro imediato?
-Sou pessimista
porque sou um otimista informado. Sei que vamos atravessar enormes dificuldades,
e é sempre mais rápido descer que subir; poderemos saber quando teremos chegado
ao fundo, mas não quando dali sairemos, e fica muito mais difícil sem
oportunidades de trabalho. Vamos ter uns 5 milhões de expulsos do trabalho, mais
os que vão estar querendo começar a trabalhar. Vamos debater tudo isto no nosso
IV Congresso.
Continuo sendo
otimista em um futuro a médio prazo, o curto prazo é de luta, é sair da
dificuldade no melhor sentido do que nós expusemos, o que vai exigir muito
esforço. Se saímos de uma ditadura, também sairemos desta situação. Há muita
luta pela frente!
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