Brasil

Com “Carlão” Vicente de Oliveira

Transnacionais se deslocalizam
para o sul do Sul

 

 

O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de São Paulo, o maior sindicato do setor no Brasil, acaba de realizar suas eleições internas. Carlos Vicente de Oliveira, conhecido por todos como “Carlão”, foi reeleito presidente com mais de 90% dos votos em uma lista única. Em diálogo com Sirel, Carlão explicou o peculiar processo de deslocalização industrial que vem ocorrendo no estado de São Paulo e os detalhes sobre um programa, implementado no Sindicato, dedicado às pessoas portadoras de deficiência.

 

 

 

-Como está composto o sindicato?

-Na cidade de São Paulo operam numerosas transnacionais do setor alimentício. Podemos mencionar a Nestlé, Kraft Foods, Unilever, Cargill, Pepsico, General Mills, Kellogg's, Bunge, e várias outras. Nos últimos anos começou a produzir-se um processo de deslocalização dos estabelecimentos fabris de São Paulo para outras regiões. Os argumentos que surgiram para justificar este movimento têm sido dos mais variados: foram mencionadas razões logísticas e se invocou, até, o custo “imobiliário”, já que aqui as empresas dizem que devem construir fábricas “verticais” que são muito mais caras que as “horizontais”. Desta forma, em São Paulo estão ficando apenas os escritórios administrativos.

 

-Os senhores concordam com esses argumentos?

-Claro que não. Nós realizamos uma investigação autônoma, e chegamos à conclusão de que estas empresas conseguem não só vantagens fiscais em outras regiões, como também mão-de-obra mais barata e, em algumas ocasiões, ausência de sindicatos ou organizações em formação, ainda frágeis, dando aos empresários uma margem de manobra muito mais ampla. A chamada “Guerra Fiscal” também contribuiu muito para isso. Segundo nossos dados, de 1990 para cá, aproximadamente 42 grandes empresas se deslocalizaram de São Paulo.

 

-Poderia nos dar alguns exemplos?

-Aqui a transnacional Kraft adquire o nome de Lacta, e ela se mudou para Curitiba, no estado do Paraná, da mesma forma que a Sadia, que se deslocou para a localidade mato-grossense-do-sul de Ponta Porã. A Nestlé levou a sua fábrica para a cidade de Marília, no interior de São Paulo; a Kibon, que é da Unilever, mudou-se para a cidade de Valinhos, a uma centena de quilômetros de São Paulo. Nos casos em que permanecem no estado de São Paulo as coisas são mais simples, porque aqui os sindicatos da alimentação são fortes, mas quando vão para outros estados, a situação é muito variada.

 

- Que significado têm os escritórios administrativos que permanecem em São Paulo?

-Alguns chegam a ter 2 mil ou mais funcionários e funcionárias, como é o caso da Cargill, onde estamos desenvolvendo um trabalho intenso.

- O que varia ao se organizar, quase que exclusivamente, escritórios administrativos?

-É bem diferente, porque se trata de um pessoal que trabalha mais perto dos patrões, muitos são gente de confiança e, em geral, recebem uma retribuição bastante mais alta do que a de um operário. Mas, de maneira crescente, estamos conseguindo que participem das negociações, que se envolvam com o trabalho da organização sindical.

 

- O que significa em números esta perda de fábricas no estado?

-Antes que este processo começasse, tínhamos mais de 100 mil filiados, e hoje estamos com metade dessa quantidade.

 

-Por outro lado, sabemos que os senhores estão desenvolvendo um trabalho inovador com pessoas portadoras de deficiência.

-No Brasil temos uma lei que determina cotas de emprego obrigatórias para pessoas portadoras de deficiência nas empresas, em função da quantidade total de empregados e segundo uma tabela preestabelecida, mas nossa pesquisa revelou que muitas das empresas que contratam pessoas portadoras de deficiências não lhes dão nenhuma tarefa de acordo com suas capacidades, isto é, elas os submetem a realizar trabalhos sem produtividade e sem uma real utilidade. Quer dizer, são empregados somente para cumprir a cota legal, e depois são largados por aí, em um canto qualquer, cortando papel ou coisas assim. A conseqüência é que estes trabalhadores e trabalhadoras continuem totalmente desqualificados.

 

-O que os senhores fizeram a partir dessa constatação?

-Fizemos um chamado à responsabilidade das empresas para que esses trabalhadores sejam capacitados e possam perceber que sua tarefa tem uma utilidade concreta, porque habitualmente a pessoa portadoras de deficiência já se sente inútil, por isso, é um pecado colocá-la numa fábrica sem lhe serem dadas oportunidades reais de integração. Como conseqüência, esse trabalhador se sentirá ainda mais inútil, aceitando limitações que não tem. Por isso, decidimos implementar, nós mesmos, programas de capacitação para pessoas portadoras de deficiências e depois os enviamos às empresas. Realizamos esta tarefa em uma escola que temos no próprio Sindicato, mediante um convênio com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que nos oferece os professores, a empresa paga os cursos e o Sindicato cede o espaço físico. Desta maneira, as pessoas portadoras de deficiências chegam às empresas com uma qualificação para exercer uma função concreta. Por exemplo, os não videntes podem capacitar-se em telemarketing, os que têm deficiências auditivas em outras tarefas, etc.

 

-Quantas pessoas passaram por esse programa?

-Desde o início já passaram umas 80 pessoas. E isso porque sempre enfrentamos limitações muito fortes, por exemplo, em matéria de transporte para os potenciais alunos e alunas que não podem se deslocar facilmente; muitas vezes a própria família tem medo de que saiam e prefere mantê-los em casa, onde pensam que estão mais protegidos. Por outro lado, muitas pessoas portadoras de deficiências recebem pensões ou subsídios do governo -que mal superam o salário mínimo- que são suspensos assim que a pessoa entra no mercado de trabalho. Isto lhes desmotiva a se capacitarem e a se integrarem ao mercado de trabalho. Estamos lutando para conseguir mais apoio e assim poder desenvolver mais e melhor esta tarefa que é de responsabilidade de todos.

Carlos Amorín

© Rel-UITA

8 de agosto de 2007

 

 

 

 

 

 

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