Brasil

Encontro Internacional

de Trabalhadores da Cargill

 

O Encontro Internacional de Trabalhadores da Cargill, realizado nesta segunda-feira (14), na sede central da CUT, em São Paulo, reuniu os principais sindicatos do país que têm a multinacional norte-americana na base, lideranças do Uruguai e da Argentina, fortalecendo a integração e a pressão para banir os crimes promovidos pela empresa contra a saúde física e mental dos seus funcionários e as economias dos nossos países.

Carmen Foro

 

O evento, promovido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac/CUT), contou com o apoio da União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação (UITA), que encaminhará as deliberações dos sindicalistas à direção da empresa, nos EUA, à Organização dos Países Industrializados (OPI) e aos países consumidores, que devem tomar ciência dos abusos e absurdos que são parte do dia-a-dia da Cargill.

 

“Neste encontro, tomamos a decisão de combater sem trégua esta multinacional que é a recriação do feudalismo, espalhando lesões por esforço repetitivo e graves enfermidades pelo intenso ritmo de trabalho a que submete seus funcionários, adotando práticas anti-sindicais e causando sérios problemas sócio-ambientais aos países em que se instala”, declarou o secretário Regional para a América Latina da União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação (UITA), o uruguaio Gerardo Iglesias.

 

Em sua apresentação “Um gigante onipresente”, Gerardo condenou a ação devastadora e a ação de cartel deste complexo agroindustrial, alimentar e financeiro, que conta com 142 mil funcionários e 1.100 fábricas em 61 países, de propriedade das famílias Cargill e Mac Millan, que controlam 85% da companhia.

 

CONTAMINAÇÃO

 

O representante da UITA denunciou que “quase 100% da soja transgênica na Argentina é da Monsanto e da Cargill.  Lembrando que o Brasil é hoje o 3º maior país consumidor de “defensivos’’ agrícolas do mundo, com a segunda frota de aviões fumigadores do planeta, Gerardo ironizou as declarações das multinacionais de que “o investimento em biocombustível à base de soja é ecológico e não-contaminante”.

 

Denunciando a contradição de um Continente que produz o suficiente para alimentar a sua população, mas que vê os alimentos que faltam na mesa serem exportados, o dirigente da UITA sublinhou a necessidade de uma ampla mobilização e conscientização em defesa da soberania alimentar, “que é o direito dos povos definirem suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, garantindo alimentação para todos”.

 

SUBMISSÃO

 

Em contradição com este objetivo, alertou, os Tratados de Livre Comércio (TLCs) firmados com os Estados Unidos, a exemplo da Colômbia, vêm obrigando os países latino-americanos a perderem emprego e soberania. Gerardo lembrou que ao fomentarem a produção de biodiesel de palmeira de dendê, os EUA estão obrigando os produtores colombianos a abandonarem a produção de bananas: “enquanto um hectare de banana gera 12 empregos, são necessários dois hectares de palmeira de dendê para gerar um único emprego”.

 

ESPECULAÇÃO

 

Para Luiza Meli, dirigente da União de Trabalhadores Rurais e Estivadores (UATRE) e da secretaria de Saúde e Meio Ambiente da CGT argentina, a ação da Cargill em seu país está saindo da área produtiva para a especulativa, “comprando imóveis, terras e vendendo seguros”. “Até a criação de gado vem sendo abandonada, assim como as plantações de algodão, trigo e milho, pois a lucratividade do setor financeiro é bem maior. Além disso, estão investindo em soja e girassol para produzir óleos para exportação”, acrescentou.

 

Vários dirigentes sindicais fizeram uso da palavra para recordar uma infinidade de exemplos de trabalhadores e trabalhadoras vitimados pela alta velocidade das nóreas – as correias que transportam os frangos na linha de produção -, pelo excesso e complexidade dos cortes, pelo assédio moral e sexual, tão repugnante e tão presente nos frigoríficos da Cargill.

 

VALDIRENE

 

Foram lembrados casos como o de Valdirene João Gonçalves da Silva, mãe de três filhos, desossadora de frango e funcionária exemplar, sem uma única falta ou afastamento temporário durante os onze anos em que trabalhou na unidade de Forquilhinha, no interior catarinense. A recompensa pela sua contribuição ao crescimento exponencial da empresa com os lucros advindos da exportação? A invalidez aos 35 anos. Nas palavras do médico, que expôs o trágico diagnóstico munido do exame de ultrassom, “o braço está podre”. Agora, a dor é constante, aplacada apenas à base de morfina... A rotina da desossa das sete coxas por minuto, 420 por hora e sabe-se lá quantas mil por dia, “dependendo dos pedidos de exportação”, mudou completamente, e o ambiente do frigorífico foi substituído pelos cômodos da casa. Agora, além da dor, a trabalhadora enfrenta a dura batalha contra a depressão...

 

O presidente da Contac, Siderlei de Oliveira, lembrou que em nosso país há forte presença da multinacional norte-americana no setor de frango, que vem batendo sucessivos recordes de exportação e lucratividade. Para isso, enfatizou, a empresa imprime um ritmo alucinante, que vem lesionando e mutilando milhares. “A Cargill deveria entrar no guiness da bandidagem, pois é inacreditável o que eles são capazes de fazer contra os trabalhadores. Só falta demitirem mortos, pois até hospitalizados e grávidas eles colocaram no olho da rua”, denunciou. Siderlei lembrou que “o tendão de Aquiles da Cargill é justamente a força da organização e mobilização dos trabalhadores em todas as etapas da produção, da terra ao prato”. “Esta multinacional precisa da falsa imagem que constrói para vender seus produtos. Nossa denúncia vai fazê-la se dobrar. Afinal, quanto maior o eucalipto, maior a queda e há a possibilidade concreta da convocação de um amplo boicote internacional”, destacou.

 

Segundo o dirigente da Contac, mobilizações como as de Forquilhinha e Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, e a de Sidrolândia, no Mato Grosso Sul, já começam a surtir efeito, colocando a empresa contra a parede, mas ainda há muito o que avançar. “Precisamos de uma articulação mais ágil, que envolva os Sindicatos e as centrais, para conseguirmos fazer com que a empresa respeite as leis e os trabalhadores”, frisou.

 

COMISSÃO NACIONAL

 

Os sindicalistas organizaram uma Comissão Nacional de Trabalhadores da Cargill que será composta por cinco lideranças e coordenará junto aos Sindicatos todas as ações relativas à empresa. Esta Comissão, que publicará em breve um jornal de ampla tiragem, ficou responsável, conjuntamente com a Contac, de levar as reivindicações ao conjunto do país, bem como, ao lado da UITA, construir uma articulação internacional com os sindicatos argentinos.

 

A campanha deste ano terá como foco principal a denúncia do ritmo intenso de trabalho e a transformação da Cargill em depósito de doentes, já que inúmeros lesionados não têm sequer o direito de fazerem o tratamento em suas casas, sendo obrigados a baterem cartão na empresa.

 

 

Leonardo Severo

CUT Brasil

15 de agosto de 2006

 

Fotos: Leonardo Severo e Mônica Severo

 

 

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