A queda do consumo de frango em diversos países, por causa da gripe aviária,
já apresenta reflexos na produção brasileira de aves e preocupa os
trabalhadores do setor. O receio tem dois focos: a possibilidade de
demissões e o risco de contaminação pelo vírus H5N1, caso a doença chegue ao
Brasil. Durante o 6º Encontro Nacional do Frango, realizado no último fim de
semana, em Uberlândia, as discussões dos representantes de trabalhadores no
setor avícola se voltaram para as possíveis conseqüências da gripe aviária.
As exportações brasileiras já caíram cerca de 30%, conforme afirmaram os
organizadores do evento.
"Este encontro era para discutir as negociações salariais da categoria, mas
fomos pegos de surpresa com a crise que está se instaurando", explicou o
coordenador do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de
Uberlândia (Stiau), Humberto de Barros Ferreira. Dos mais de 12 mil
empregados do setor, no Município, cerca de 5,4 mil trabalham na Sadia, que
é maior empregadora do setor, na cidade.
Segundo o sindicalista, há boatos de que a empresa estuda dar férias
coletivas, em função de uma suposta queda na produção. Um indício desta
situação é que teriam sido suspensas as férias regulares de diversos
trabalhadores, que já estavam programadas. A assessoria de imprensa da
empresa informou, no entanto, que "a Sadia ainda está avaliando os impactos
da gripe aviária e, por enquanto, não tomou nenhuma decisão sobre reduzir ou
não a produção".
Cerca de 50% do volume de produtos da marca é destinado ao mercado externo.
Do total, 38% são partes de aves e 34% são aves inteiras. O restante é de
suínos, industrializados e outros. Em 2005, as exportações da empresa
somaram R$ 4,1 bilhões, um aumento de 13,7%, em relação ao ano anterior. Os
números representam a quebra de um recorde histórico, ao superar a marca de
1 milhão de toneladas de produtos exportados.
Na avaliação do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas
Indústrias da Alimentação (Contac/CUT), Siderlei Oliveira, as conseqüências
da gripe aviária serão intensificadas no Brasil daqui a um mês. Isto porque,
segundo, algumas indústrias começaram a reduzir, há cerca de 10 dias, a
quantidade de ovos nos incubatórios e do alojamento de pintinhos. A intenção
dos empresários, conforme salientou, visa provocar a queda do volume de
frango até mesmo no mercado interno, o que naturalmente forçaria a elevação
dos preços do produto.
Siderlei Oliveira demonstrou também preocupação com a saúde dos
trabalhadores do setor e afirmou que está cobrando uma resposta do
Ministério da Saúde sobre a vacinação do pessoal. Os primeiros a serem
imunizados, conforme defende, deverão ser os integrados, produtores que
fornecem as aves para as indústrias; em seguida, os funcionários das
fábricas.
O presidente da Confederação disse também que vai encaminhar ao Ministério
do Trabalho uma proposta visando à criação de um fundo de sustentabilidade
para o setor, em períodos de crise. O fundo seria composto de 1% dos
recursos oriundos das exportações de aves e seria utilizado, por exemplo,
para evitar as demissões, ao garantir uma remuneração para os trabalhadores.
"O setor de aves impulsionou a economia brasileira e trouxe destaque o
Brasil como exportador de frango. O bônus já foi colhido, agora, o ônus não
pode ser só para nós (trabalhadores)", defendeu.
Unidade da Sadia
em Concórdia vai interromper abate de frangos
O Encontro Nacional do Frango, que aconteceu pela primeira vez em
Uberlândia, reuniu 95% dos representantes de trabalhadores em indústrias do
setor avícola, distribuídos em 16 sindicatos, de oito Estados brasileiros.
Conforme relataram alguns dos participantes que vieram do Sul, naquela
região, os reflexos da gripe do frango - que já atingiu países Ásia, Europa
e África ? chegaram aos empregados das unidades de produção.
Geferson Carminatte, membro da direção de um sindicato de Concórdia (SC),
informou que, na unidade da Sadia daquele município, houve uma redução de
25% na produção e a empresa vai interromper o abate de frangos entre os dias
28 deste mês e 4 de abril. De acordo com o sindicalista, não houve demissões
porque foi negociada a redistribuição de 250 trabalhadores dentro da própria
fábrica. Outros 250 deverão deixar a fábrica espontaneamente e as vagas não
deverão ser preenchidas novamente, pelo menos, por enquanto.
Além de tratar das conseqüências da queda na produção, o que está sendo
esperado, os sindicalistas ressaltaram que não vão "fazer o jogo do patrão",
ou seja, dar à crise uma dimensão que ela não tem e esquecer da pauta de
reivindicações dos funcionários. Eles vão negociar recomposição salarial
para as datas-base e questionar sobre a quantidade de trabalhadores
lecionados por causa do ritmo intenso de trabalho e práticas repetitivas.
Em Lajeado (RS), a Avipal, principal empregadora do setor avícola, no
município, com 4,5 mil funcionários, deve dar férias coletivas a partir do
dia 13 de abril para os trabalhadores que têm mais de oito meses de
trabalho. A informação é do presidente dos trabalhadores, Adão José Gossmann.
Segundo ele, a empresa já eliminou ovos e sacrificou pintinhos que
representariam parte da produção no mês que vem. A unidade de Porto Alegre
já está em férias coletivas, conforme afirmou o sindicalista. "Não há mais
espaço para colocar estoques e a empresa alega que está trabalhando com R$
0,30 de prejuízo por quilo de frango", relatou.
Selma Silva
CORREIO
16 de março de 2006