Nicarágua

 

Gênese de um pesadelo

 

Livro fotográfico sobre Nemagón

 

 

O drama dos bananeiros afetados pelo mortal agrotóxico Nemagón, produzido, comercializado e aplicado pelas multinacionais norte-americanas, foi uma vez mais trazido à luz graças ao minucioso trabalho do fotógrafo Manuel Esquivel e do jornalista José Adán Silva, os quais, há muitos anos, acompanham com suas fotografias e crônicas a luta e as reivindicações deste importante setor. Este longo trabalho desembocou na realização do livro “El Nemagón em Nicarágua: Crónica de una pesadilla*”, contando também com um importante prólogo do escritor nicaragüense Sergio Ramírez.

 

Victorino Espinales

 

Os integrantes da Associação de ex-Trabalhadores e Trabalhadoras Afetados pelo Nemagón (ASOTRAEXDAN) já retornaram à Manágua há cinco meses, em busca de uma resposta às suas demandas dirigidas ao novo governo de Daniel Ortega. Até a presente data não houve nenhum sinal de abertura por parte das autoridades e as milhares de pessoas continuam acampadas no local conhecido em todo o mundo como a “Cidadela do Nemagón”, nas proximidades da Assembléia Nacional.

 

Durante a apresentação do livro1, interveio  Victorino Espinales, presidente da ASOTRAEXDAN, que declarou “estamos a 14 anos nesta luta de maneira permanente e buscamos chegar aos corações da Nicarágua e do mundo inteiro demonstrando a grande problemática e o drama que estamos vivendo. No oeste do nosso país há uma problemática terrível e as fotos que saem publicadas neste livro são nossa realidade, não são invenções. Até o dia de hoje -continuou Espinales- morreram 1.902 companheiros ex-trabalhadores bananeiros e mais de 2 mil que trabalhavam no setor da cana-de-açúcar por causa da Insuficiência Renal Crônica (IRC)”.

 

Espinales lembrou também dos acordos assinados com o anterior governo e que ainda não foram assumidos pelas novas autoridades. 

Manuel Esquivel

 

“Nosso caso necessita hoje de uma política de Estado, porque temos o direito de viver e que a justiça seja feita em nome do que aconteceu conosco. Estamos hoje nestas condições simplesmente porque alguém teve a idéia de fabricar, comercializar e aplicar veneno, sem pensar que devia proteger a vida do ser humano. É por isso também que não podemos deixar de mencionar o elemento político que há em tudo isto. Em 2005 -disse Espinales- assinamos acordos com o antigo governo e agora o presidente não quer reconhecê-los e é por isso que estamos há cinco meses aqui, esperando que cumpra com o compromisso que herdou. O que está esperando é irmos embora por cansaço ou por pressão. Dois companheiros já foram baleados por desconhecidos e a Polícia ainda não nos deu o resultado da investigação. Não vamos embora de Manágua. Aqui vamos permanecer até que tenhamos uma resposta e já tomamos a decisão de que seremos 14 companheiros que irão fazer uma greve de fome extrema, sem ingerir comida nem líquidos. Talvez isto sacuda a consciência dos governantes”, concluiu Espinales.

 

Por outro lado, Manuel Aráuz, Decano da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Centro-Americana (UCA), ampliou o tema do Nemagón lembrando que estamos frente a uma verdadeira tragédia. De acordo com o catedrático, “constitui violação de um direito humano que é o direito ao trabalho em condições dignas. O artigo 82 da Constituição da Nicarágua diz que os trabalhadores têm direito a condições de trabalho que garantam sua integridade física, sua saúde, higiene, e a diminuição dos riscos profissionais para que seja efetiva a segurança ocupacional do trabalhador. É por isso que estamos frente a um caso patente de violação de um dos direitos constitucionais.

Manuel Araúz

 

O caso do Nemagón -continuou Aráuz- também é um caso de responsabilidade pelo produto em dois sentidos: responsabilidade extra contratual pela violação da norma constitucional, que se traduz como responsabilidade civil e, ao mesmo tempo, de responsabilidade penal. A partir deste momento podemos falar de responsabilidade penal por crime empresarial, pela introdução do pesticida na Nicarágua e por isto ter sido feito até 1992, apesar de já estar, à época, proibido em diversos países. Neste caso, não se trata de que as empresas, no momento de usá-lo, tivessem a intenção de causar um dano à vida, à saúde e à integridade física das pessoas, mas sim que a motivação principal do crime empresarial é o ânimo de lucro através da exploração do trabalho e da poupança quando não são utilizados os meios de proteção para os trabalhadores. Este ânimo de lucro -concluiu o catedrático- traz como conseqüência efeitos colaterais, como aqueles que o livro documenta e danos imateriais, ou seja, a insegurança produzida pelo efeito delituoso. A tragédia do Nemagón é uma tragédia humana e é uma tragédia nossa e temos que lutar para que não volte a acontecer na Nicarágua”.

 

O Instituto de História da Universidade Centro-Americana (UCA), um dos promotores do evento, lembrou, por intermédio da sua diretora, Margarita Vannini, que através do livro e do impacto das imagens os estudantes de todas as carreiras serão orientados aos trabalhos de pesquisa relacionados com o assunto, de uma perspectiva das diferentes faculdades. Da Faculdade de Ciência Econômica e Empresarial sobre o tema da Responsabilidade  Social Empresarial, da Faculdade de Ciência e Tecnologia do Ambiente na questão da contaminação e do uso de pesticidas, da Faculdade de Direito pela violação dos direitos humanos e trabalhistas dos trabalhadores e da Faculdade de Humanidades e Comunicação Social sobre o impacto do fenômeno na sociedade.

 

 

Em Manágua, Giorgio Trucchi
© Rel-UITA
1 de novembro de 2007

 

 

 

* Tradução literal: “O Nemagón na Nicarágua: Crônica de um pesadelo”, livro ainda não traduzido ao português.

1 - La actividad fue promovida por el Instituto de Historia de la Universidad Centroamericana (UCA), el periódico La Prensa, la Fundación Heinrich Boll y Hivos

 

Fotos: Giorgio Trucchi

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