Dionísio Júlio Ribeiro Filho, diretor da ONG 
                          Grupo de Defesa da Natureza, foi assassinado no 
                          dia 22 de fevereiro, com um tiro de escopeta no rosto. 
                          O corpo do ambientalista foi encontrado próximo à sua 
                          casa e a 300 metros do portão de entrada da Reserva 
                          Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu (Baixada 
                          Fluminense), estado do Rio de Janeiro. Seu Júlio, como 
                          era conhecido, atuava no local há mais de 40 anos, 
                          defendendo os recursos naturais da região. De acordo 
                          com colegas de trabalho, o policial aposentado recebia 
                          ameaças de morte há anos e acredita-se que seu 
                          assassinato esteja ligado ao combate implacável que 
                          ele empreendeu contra a extração ilegal de palmito 
                          jussara (em extinção), exploração dos areais, 
                          instalação de complexos turísticos, especulação 
                          imobiliária, caça e tráfico internacional de animais 
                          silvestres. Em entrevista exclusiva para a Rets, 
                          Sebastião Reis, secretário-executivo do Grupo de 
                          Defesa da Natureza, fala sobre o assassinato de 
                          Dionísio Júlio e sua história. 
                          
                          Sebastião acredita que o ambientalista foi vítima de 
                          uma emboscada. O advogado acrescenta que toda a 
                          diretoria da instituição trabalha há muito tempo sob 
                          ameaça e que não pode revelar muito sobre a apuração 
                          dos fatos. "As operações estão sendo realizadas em 
                          sigilo. Não podemos falar nada. Há outras pessoas em 
                          risco e, se falarmos alguma coisa, podemos atrapalhar 
                          as investigações", declarou. 
                          
                          
                          
                          -No dia 23, dia seguinte ao assassinato de Dionísio 
                          Júlio Ribeiro Filho foi realizado um ato público em 
                          protesto contra o crime. Como está o estado de 
                          espírito das pessoas que conviveram com ele? 
                          
                          -A comunidade está revoltada, chocada com essa 
                          injustiça. A manifestação foi em frente à sede do 
                          Grupo de Defesa da Natureza. Nós organizamos esse ato 
                          público para chamar atenção das autoridades sobre o 
                          ocorrido. Além disso, estamos fazendo o possível para 
                          colaborar com a polícia para que ela esclareça esse 
                          caso e puna os responsáveis. 
                          
                          -Vocês já têm alguma informação sobre a 
                          investigação? 
                          
                          -Temos sim, mas as operações estão sendo realizadas em 
                          sigilo. Não podemos falar nada. Há outras pessoas em 
                          risco e, se falarmos alguma coisa, podemos atrapalhar 
                          as investigações. 
                          
                          -O senhor Júlio estava recebendo ameaças de morte?
                          
                          
                          -Há muito tempo que os integrantes do grupo vêm 
                          trabalhando sob ameaças. Mas o Júlio e o Márcio [Márcio 
                          Castro das Mercês, outro ambientalista do Grupo de 
                          Defesa da Natureza que sofre ameaças recorrentes] 
                          receberam a maioria delas. 
                          
                          -Que tipo de ameaças? 
                          
                          -Todos os tipos de ameaças. Chegaram a pintar postes 
                          próximos à casa do Júlio na tentativa de intimidá-lo. 
                          A maioria das ameaças são veladas, mas já recebemos 
                          fitas VHS com cenas de intimidação. Além disso, 
                          recebemos cartas, bilhetes. Já recebemos todas as 
                          formas de coação que se pode imaginar. 
                          
                          -Como vocês reagiram a essas ameaças? As 
                          autoridades foram comunicadas? 
                          
                          -Em alguns casos, sim, especialmente sobre as ameaças 
                          mais graves. Eu mesmo já havia encaminhado um pedido 
                          de poteção policial para o Márcio. Enfim, foram feitos 
                          vários comunicados às autoridades sobre as ameaças, 
                          mas nada foi feito e, agora, estamos enfrentando essa 
                          situação. Há uma coisa que eu quero falar. Nos jornais, 
                          na mídia em geral, há informações de que as 
                          autoridades não tinham ciência das ameaças. Mas nós 
                          comunicamos as ameaças ao Edson Bedim, gerente 
                          regional do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio 
                          Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] no Rio. 
                          Nós já reunimos toda a documentação que temos sobre 
                          esse assunto e lançamos um manifesto durante o 
                          sepultamento [no dia 24] para dizer que a omissão dos 
                          responsáveis pelos órgãos públicos manchou as mãos 
                          deles de sangue. 
                          
                          -Quem faz as ameaças? 
                          
                          -Todas as pessoas que representam os interesses que 
                          combatemos. São empresários do setor de turismo 
                          predatório que combatemos porque somos contrários a 
                          essa forma de exploração do meio ambiente. São 
                          empresas ligadas à estação de tratamento de lixo em 
                          Adrianópolis [bairro de Nova Iguaçu], porque a gente 
                          ingressou com uma ação contra a instalação da estação 
                          naquele local. A estação está funcionando normalmente. 
                          Mas a gente não foi brigar na Justiça para questionar 
                          tecnicamente a estação. Nós brigamos porque ela fica a 
                          um quilômetro da reserva biológica e não concordamos 
                          com isso. Há também uma ação que o Júlio moveu contra 
                          a Maria Xavier, ex-diretora da reserva, por omissão. 
                          Havia ainda um descontentamento completo dele com a 
                          delegacia regional do Ibama no Rio de Janeiro também 
                          por omissão, inclusive com apresentação de denúncias 
                          junto ao Ministério Público Estadual. 
                          
                          -O senhor Julio também estava descontente com a 
                          atuação da nova direção da reserva? 
                          
                          -Sim. Ele reclamava do sucateamento, da inoperância da 
                          direção. Mas, na verdade, o grupo estava dando um voto 
                          de confiança ao Luiz Henrique para ver o que ele ia 
                          conseguir fazer. Ele tinha consciência de que as 
                          melhorias necessárias não dependiam somente do Luiz 
                          Henrique. Mas, na visão do Júlio, a direção era 
                          realmente inoperante. 
                          
                          -Outros ambientalistas que atuam na reserva também 
                          estão recebendo ameaças de morte. Depois do 
                          assassinato do senhor Júlio, o que vocês estão fazendo 
                          para se proteger? 
                          
                          -Todas as pessoas da direção do Grupo de Defesa da 
                          Natureza correm risco de vida. O Márcio deve ser o 
                          próximo, se nada for feito. Por isso, nós pedimos - 
                          dentro do que foi oferecido - proteção policial para 
                          ele. Fora isso, quando as ameaças começaram, passamos 
                          a andar sempre juntos, sempre com alguma companhia. O 
                          Júlio evitava sair à noite e, normalmente, chegava em 
                          casa antes do anoitecer. 
                          
                          -O senhor tem alguma informação sobre como foi o 
                          crime? 
                          
                          -No dia 22, ele participou de uma reunião na 
                          Associação de Moradores. Reuniões à noite não são 
                          comuns, mas o assunto era importante para a comunidade 
                          e, por isso, ele foi. Depois da reunião, ele pegou uma 
                          carona para casa, mas desceu do carro em frente à casa 
                          de um outro rapaz que também participou da reunião. 
                          Como a distância entre a casa do rapaz e a dele é 
                          curta, ele foi andando e no meio do caminho [pausa] 
                          foi assassinado. Foi uma emboscada. 
                          
                          -Há uma lista de pessoas ameaçadas de morte? 
                          
                          
                          -Dizem que há uma lista. Eu nunca vi. O que eu sei de 
                          concreto é que as pessoas que combatem a exploração 
                          dos areais, os complexos turísticos e a especulação 
                          imobiliária são sempre ameaçadas. Mas, como eu disse 
                          antes, normalmente as ameaças são veladas. Mas eu 
                          recebi uma ameçada feita por uma pessoa que disse que 
                          conhecia cada pessoa do grupo - onde nós moramos, com 
                          quem andamos, nossos hábitos - e que sabia como 
                          resolver o problema com cada uma. Não posso falar 
                          muito sobre isso porque eu já falei com o delegado 
                          sobre o assunto e, nesse momento, estou levando essa 
                          denúncia à cúpula da Secretaria de Segurança do Rio.
                          
                          
                          -O crime teve testemunhas? 
                          
                          -Teve sim, mas não há testemunhas oculares. Até agora, 
                          não sabemos de alguém que tenha visto o crime ser 
                          cometido. Algumas pessoas viram o Júlio passar, 
                          ouviram tiros e, depois, quando foram ver o Júlio 
                          estava deitado no chão. Essas testemunhas já foram 
                          ouvidas pela polícia. 
                          
                          -O senhor Júlio tinha inimigos declarados? Quem?
                          
                          
                          -Os inimigos do Júlio eram os inimigos do meio 
                          ambiente, inimigos do povo. Ele não tinha inimigos 
                          pessoais. Mas ele comprou muitas brigas pela defesa do 
                          meio ambiente. Ele era muito combativo quando a 
                          questão era a proteção ambiental. 
                          
                          -Quais são os principais problemas que os 
                          ambientalistas enfrentam para proteger a área da 
                          Reserva Biológica do Tinguá? 
                          
                          -Nós encontramos problemas, especialmente, relativos 
                          às questões internas do Ibama. A gente vê a área do 
                          entorno sendo explorada pelo turismo selvagem, pela 
                          extração ilegal de palmito, caça e tráfico 
                          internacional de animais. Também temos problemas com 
                          os empresários de turismo que exploram a região. 
                          Quanto mais pessoas eles levarem para a reserva; maior 
                          é o lucro deles. O problema é que a reserva não 
                          comporta um número tão grande de visitantes 
                          dirariamente e já começa a dar sinais de degradação 
                          ainda maior. 
                          
                          -O senhor acredita que as atividades de ecoturismo 
                          e educação ambiental promovidas por ONGs para 
                          conscientizar a população sobre a importância da 
                          preservação ambiental possam ter incomodado pessoas 
                          que lucram com a exploração perversa do meio ambiente?
                          
                          
                          -Com certeza o trabalho das organizações sérias tem 
                          incomodado bastante gente. Nós estamos conseguindo 
                          mostrar para a população que existem formas mais 
                          racionais de utilização dos recursos do meio ambiente, 
                          buscando realmente o desenvolvimento sustentável da 
                          região. Outra forma de atuação que incomoda bastante é 
                          a defesa e a conscientização da população sobre seus 
                          direitos. 
                          
                          A reserva do Tinguá possui sete microbacias de 
                          captação de água que abastecem zonas urbanas dos 
                          municípios da Baixada Fluminense. A água chega à área 
                          urbana, mas a comunidade da Biquinha, vizinha da 
                          reserva, não tem água encanada. A população lava roupa 
                          no rio! Como pode? Quatro ou cinco meses atrás, a 
                          comunidade recebeu um representante do Ministério do 
                          Meio Ambiente, que se comprometeu a resolver o 
                          problema. Mas até hoje nada foi feito. A comunidade 
                          continua sem água nem esgoto. 
                          
                          -Essa luta vai continuar? 
                          
                          -Claro! Hoje mesmo [dia 24], no sepultamento do Júlio, 
                          o prefeito de Nova Iguaçu disse que irá à comunidade 
                          verificar a situação. Ele [Lindberg Farias (PT), 
                          prefeito de Nova Iguaçu] prometeu uma solução para o 
                          assunto e anunciou também a criação da Guarda 
                          Municipal Ambiental, que terá o nome do Júlio - 
                          Dionísio Júlio Ribeiro Filho. 
                          
                          -Para o senhor qual é a principal herança que o 
                          senhor Júlio deixa para as pessoas que atuam com a 
                          proteção da reserva do Tinguá? 
                          
                          -Acho que [depois de curta pausa, com voz embargada] é 
                          a certeza de que a gente tem de continuar lutando. Ele 
                          acreditava que tinha jeito. Acreditava que era certo 
                          lutar pela população e pelo meio ambiente. Acho que a 
                          principal herança [chora] é não desistir da luta, não.