Por isso, 
nessa manhã de 28 de março, Marcos foi trabalhar contente. Já fazia 
mais de dois anos que percorria esse caminho, uma rotina que mudava apenas 
pela rotação dos horários. Desta vez, o seu turno começava às cinco da 
manhã. Faltando 15 minutos para essa hora, Marcos atravessou o portal 
da fábrica e se confundiu com inúmeros trabalhadores e trabalhadoras que, 
todos os dias, acudiam a seus postos. Foi 
a última vez. 
 
Pouco 
depois das 9 da manhã, Marcos fazia a verificação de resíduos no 
enorme eixo sem-fim (chiller) que leva 
os frangos abatidos e eviscerados até a zona 
de resfriamento. Para fazer toda a higiene da fábrica, o pessoal encarregado 
tem apenas uma hora, a do almoço do turno, por isso tudo tem que ser feito 
em grande velocidade. Se a limpeza não está bem feita, a Inspeção Federal do 
Ministério de Agricultura não autoriza o início de um novo ciclo de abate. 
Trabalhando contra o relógio, pressionado, sem segurança de nenhum tipo, sem 
proteção adequada, Marcos resvalou na borda do chiller e caiu.
 
Segundo o 
testemunho do vice-presidente do 
Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Sidrolândia (Sindaves),
Clodoaldo Fernandes Alves, “Seus companheiros conseguiram deter a 
máquina mas não puderam evitar que Marcos ficasse preso. Quando os 
mecânicos chegaram, opinaram que se deveria cortar o tanque por baixo e 
retirar o Marcos, mas o pessoal de controle de qualidade da empresa 
decidiu que o sentido da rotação do eixo 
sem-fim fosse invertido. Foi um erro 
terrível, porque Marcos foi sugado pela espiral e cortado ao meio”.
 
Em diálogo 
com Sirel, Sérgio Irineu Bolzan, presidente do Sindaves 
e diretor da Federação Estadual dos Trabalhadores da Alimentação do Mato 
Grosso do Sul, afirmou que “É uma tragédia que se repete. Marcos não 
tinha nenhum equipamento de segurança, apesar de termos insistido em muitas 
oportunidades para que fossem providenciados. Se ele estivesse usando um 
cinto de segurança teria apenas ficado pendurado no ar sem sofrer nenhuma 
lesão”.
 
Bolzan 
informou a Sirel que uma delegação do sindicato estava se dirigindo 
até Campo Grande, a capital do estado, aonde vamos nos apresentar ao 
Ministério Público para solicitar ao Procurador Geral Federal que realize as 
investigações e perícias pertinentes. “A empresa toda tem graves problemas 
de segurança, não apenas no frigorífico 
–explicou Bolzan. Na granja, o teto do galpão para aves está rachado, 
com isso a água entra pelas fissuras, e em cima dele foi montado um exaustor 
que pesa 2 mil quilos. Há mais de um mês que estamos pedindo que se faça 
alguma coisa a este respeito, porque o teto vai cair a qualquer momento e há 
gente trabalhando lá”.
 
O setor 
avícola da Cargill é uma gigantesca máquina produtora de portadores 
de lesões, não apenas pelas péssimas condições de segurança no trabalho, mas 
também pelo intenso ritmo de trabalho imposto a toda a cadeia de produção. 
No caso do frigorífico de Sidrolândia, 
cuja produção é integralmente exportada para a Europa e os Estados 
Unidos, os operários devem desossar seis pernas de frango por minuto e 
devem abater 150 mil frangos por dia. Com 2.313 trabalhadores em sua folha 
de pagamento, Cargill emprega mais de 10 % dos habitantes da cidade, 
e cerca de 25 % da população ativa do lugar. O Sindaves já iniciou a 
batalha legal para que a empresa indenize adequadamente a família de 
Marcos Antônio.
 
Diante dos 
repetidos abusos da transnacional Cargill, o presidente da 
Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias da Alimentação (Contac), 
e coordenador do Instituto Nacional de Saúde no Trabalho (INST) da 
CUT, Siderlei de Oliveira, disse a Sirel que 
“Lamentavelmente, este acontecimento vem confirmar de maneira trágica o que 
vínhamos advertindo há muito tempo, que a Cargill é uma máquina de 
moer carne humana, por sua indiferença em relação às normas de segurança no 
trabalho e pelo ritmo de trabalho frenético que exige de seus trabalhadores. 
Sabemos que agora a Cargill de Sidrolândia mantém
silêncio, e isto não é estranho, pois esta empresa sempre atua da 
mesma forma, com a mesma irresponsabilidade. Nunca deu resposta aos inúmeros 
questionamentos que lhe fizemos em relação à segurança. Isto demonstra que 
tipo de empresas estão atuando no 
Brasil no setor avícola. Posso dizer que no recente 25º Congresso da 
UITA, um dos temas mais debatidos foi o da Cargill, e a conclusão 
é que se trata de uma das piores e mais irresponsáveis empresas a nível 
mundial”. 
 
Siderlei de 
Oliveira 
destacou também que “Já fizemos greves, denúncias, ações judiciais, mas 
agora é preciso que o poder público nos acompanhe. Também estamos 
trabalhando na Europa com os consumidores, para que eles tenham uma 
idéia clara do que significa para os trabalhadores brasileiros produzir este 
alimento que chega às suas mesas, que saibam que, às vezes, até pode nos 
custar a vida”.
 
Por sua 
vez, Geni dalla Rosa, secretária de Saúde da CONTAC, afirmou 
durante a Conferência da Mulher da UITA, realizada
antes do Congresso, que “Milhares de mulheres sofrem diariamente 
penosas condições de trabalho. Sofrem de dor no seu corpo, de um corpo que 
não suporta o ritmo de trabalho nas avícolas no Brasil. Nosso país é 
o campeão mundial na exportação de frangos e, para chegar a essa posição, se 
transformou no campeão mundial de portadoras e portadores de Lesões por 
Esforços Repetitivos (LER)”. 
 
Finalmente,
Siderlei de Oliveira enfatizou que "É necessário envolver os 
Ministérios do Trabalho e da Saúde numa operação conjunta, porque esta 
transnacional multiplicou seus lucros a partir de um ritmo frenético de 
trabalho que vem causando lesões e mutilando em todo o país, moendo carne 
humana. Infelizmente, esta morte vem coroar o circo de horrores em que se 
transformaram os frigoríficos da Cargill”.
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Carlos Amorín 
© 
Rel-UITA 
29 
de março de 2007  | 
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