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28-06-02
Mauro Romero tem 32
anos, é viúvo e pai de um menino de quatro anos. Desde 1999, trabalhava na
fazenda Os Álamos, até que, no último dia 16 de maio, um sicário
fura-greve arrancou-lhe Atualmente, Mauro Romero mora com a sua irmã, no bairro União dos Bananeiros, uma área de casas inacabadas, no subúrbio de Guayaquil. A residência principal de Álvaro Noboa é em Nova Iorque, numa área onde moram outros multimilionários. Lá, ele não necessita nem de guarda-costas nem de vidros polarizados. É um excelente lugar para refletir e contar dinheiro, sem ser incomodado pelos pobres: esses chatos, fedorentos e ressentidos que estão acabando com o Equador.
Mauro Romero olha para a perna mutilada e não acha consolo. Ele conta que,
de noite, a dor é aguda, muito intensa. “O que vou fazer, agora, onde
vou trabalhar deste jeito?”, se pergunta. A família faz a Enquanto Mauro aguarda que alguém lhe consiga uma cadeira de rodas, para se locomover e ir visitar o seu filho que mora com a sogra dele, Álvaro Noboa percorrerá o país com seu helicóptero, com seus carros de quatro portas, e, às vezes, a pé, pelas ruas de algum vilarejo perdido. E isso será feito com a arrogância que o caracteriza, sorridente, cercado daqueles mesmos capangas que, no dia 16 de maio, entraram em Os Álamos, dando tiros, para que os ingratos grevistas se lembrem, para todo o sempre, de que Álvaro Noboa os ama. No sinal de trânsito, “deve ser pago imposto da miséria” O ônibus que nos leva ao bairro União dos Bananeiros é um supermercado em movimento, no qual são vendidos canetas, meias, balas e forros para celular. Existe, também, um supermercado em cada sinal de trânsito: “fruta, flores, doces, coco, fósforos, só que você tem que parar”, como canta o compositor Rubén Blades. O irmão de Mauro Romero conta: “essa pobre gente ganha o pão desse jeito; aqui, não há trabalho e eles não têm grana para comprar uma passagem e se mandar do país”. Cada vendedor ambulante recita o seu pregão e desenvolve a sua linguagem gestual, olhando fixo nos olhos dos passageiros, em procura de um interessado. Esse recitado nos acompanha quase o percurso todo. Em um ponto de ônibus, sobe uma menina, pequena em idade e em físico, e, sem pronunciar palavra, começa a distribuir estampilhas. O silêncio dela fala mais, denunciando como vivem sete em cada dez equatorianos submersos na pobreza. Alguém dá a ela umas moedas; no entanto, pessoa alguma fica com as estampilhas: será que o rosto das figuras celestiais está tão sujo quanto o da menininha, parecendo que elas, também, estão pedindo ajuda? Mauro, no socavão verde do bananal“Na companhia bananeira, não fazia nenhuma parada, trabalhava sete dias, embrulhando banana”, comenta Mauro. - Quanto você recebia?
- Trinta e dois, às vezes, trinta e quatro dólares
por semana, não mais do que isso. É muito pouco; a gente reclama, mas não
tem jeito. - Você morava na plantação? - Morava, muitas pessoas moram aí. - Como é um dia de trabalho na fazenda? - Eu levantava às 6:15, tomava o café-da-manhã e, às 6:40, tinha que estar na planta, para começar o trabalho. O almoço é às 12:30; eles dão quinze minutos e, depois, tem que voltar para o trabalho. Não dão nem um minuto de descanso, a gente come e tem que ir lá, continuar com o trabalho, até 6:30 da tarde. Assim como outros entrevistados, Mauro conta que a comida da empresa é muito ruim e que, com freqüência, enquanto almoçam, passa o avião e os fumiga. - Quando acaba a jornada, o que você faz? - Bem, a gente toma banho e tenta descansar. Mas, às vezes, ainda ficam caixas para serem carregadas nos contêineres. Então, a gente janta e, depois, volta para colocar as caixas, até oito, nove da noite, se tiver sorte. - É paga a hora extra? - Até 6:30, não tem hora extra. Se você ficar mais tempo carregando caixas, eles dão quatro dólares por semana. Mas, mesmo assim, é muito pouco! A noite toda carregando caixas... é cansativo.
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Eles pagam quatro dólares por semana sem importar a quantidade de horas
extra trabalhadas? - Não interessa nem a quantidade de horas trabalhadas nem o horário de chegada do contêiner, às vezes, à uma, às duas ou três horas da madrugada. - Como é o local onde você dormia? - Um quartinho pequeno, com duas camas, onde dormíamos quatro pessoas. - Nesse quarto, além das camas, tem alguma outra coisa? - Não, somente a cama, sem colchão e sem nada. A gente coloca o papelão das caixas de banana e dorme ali mesmo. O salário não dá para comprar um colchão. - Existem banheiros? - Só agora eles os estão consertando, pois todos estavam destruídos; não dava, a gente tinha que fazer as necessidades no mato. Como exigir o cumprimento dos direitos constitucionais sem ser morto na tentativa? No dia 6 de maio, os 1.200 trabalhadores da fazenda Os Álamos iniciam a greve, reclamando estabilidade em seus postos de três anos e a readmissão dos 129 trabalhadores demitidos em março. Reivindicam, também, o pagamento de horas extra e férias, a instalação de um posto de saúde e a afiliação ao Seguro Social. Essas reivindicações podem ser resumidas numa só: a Corporação Noboa deve cumprir as leis equatorianas. - Como surge o sindicato?
-
O pessoal começou a se queixar porque ganhava pouco. “Vamos ter
que fazer uma greve. Temos que fazer alguma coisa!”, era o
comentário que se ouvia na fazenda toda, e, assim, nasceu o sindicato. No
começo, eu não queria assinar, pois existiam muitas pressões: eles
ameaçavam com - O que aconteceu depois? - Fiquei jogado, aí, várias horas, perdendo sangue. Achei que ia morrer por causa da dor. Esses “caras” foram-se embora quando ouviram uns disparos que vinham do Porto Inca, e, somente então, o pessoal pôde me ajudar e me levar a Guayaquil, onde amputaram a minha perna. - Alguma pessoa da empresa visitou você? - Não! Somente vieram os companheiros da Federação e do Sindicato.
Essa noite, Álvaro Noboa afirmava diante da imprensa que o conflito na
fazenda Os Álamos tinha Autor: Gerardo Iglesias © Rel-UITA 20 de junho de 2002
Fotos: Luis Alejandro Pedraza , Gerardo Iglesias, © Rel-UITA |
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