Plano Colômbia I

A fumigação aérea em debate

Quando o remédio

 é pior do que a própria doença

 

 


No último dia 14 de agosto, o Senado colombiano deu início ao debate sobre fumigação com glifosato, no marco do Plano Colômbia. A sessão foi adiada por falta de quorum e será retomada na terça-feira 21.


 

Convidados pelo senador da República Jaime Dussan Calderón, presidente do Partido Social-Democrata Colombiano (PSOC), comparecemos ao lançamento do debate sobre fumigação aérea. Nos primeiros dias deste mês, uma delegação integrada pelos congressistas Rafael Orduz e Gustavo Petro e pelos governadores dos Departamentos do Cauca e Nariño, Floro Tunubalá e Parmenio Cuéllar, esteve em Washington, onde apresentou provas documentais sobre a problemática causada pelas fumigações com glifosato. Uma fotografia publicada na revista Cambio(1), em que aparece uma menina com feridas no corpo, despertou opiniões conflitantes nos corredores do Congresso dos Estados Unidos, quanto à política de fumigação aérea promovida por esse país, que faz parte dos US$ 1,3 bilhões aprovados para o Plano Colômbia.

 

O congressista democrata John Conyers, do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes, disse que “é terrível o que estamos fazendo com o povo colombiano, com a fumigação, pois, em vez de ajudar, estamos estimulando o conflito interno”. O representante comprometeu-se a fazer tudo quanto for necessário, para que os estadunidenses saibam em que são gastos os impostos dos contribuintes.

 

O artigo publicado na mencionada revista informa, também, que a delegação colombiana baseou-se em estudos que concluem que a política antinarcóticos não é, em absoluto, eficaz, já que, após dez anos de fumigações, a área de cultivo continua em aumento. “Quando é erradicada em uma área, os semeadores transferem-se para outra, e, assim, tanto o plantio quanto a produção continuam”, manifestou o senador Orduz. Recentemente, Cambio revelou que, apesar de terem sido fumigados 60 mil hectares no ano 2000, os cultivos de coca aumentaram 60%.

 

Por outro lado, em entrevista para o jornal El Tiempo, Ann Patterson, embaixadora dos Estados Unidos na Colômbia, chamou a atenção para as conseqüências negativas da suspensão da fumigação, devido ao Plano Colômbia ter um componente importante na erradicação dos cultivos. “Os Estados Unidos aprovou o financiamento do Plano Colômbia nesses termos. Se esses termos mudam, então, nós teríamos que questionar todas as bases do nosso apoio”, afirmou a diplomata.

 

Um recurso de amparo, apresentado no dia 18 de julho pela Organização das Nações Indígenas da Amazônia Colombiana, suspendeu a fumigação nos assentamentos indígenas dos departamentos de Cauca, Nariño, Putumayo, Caquetá, Guainía e Guaviare, por ficar ameaçado o direito à vida e ao meio ambiente dos seus habitantes. Na segunda-feira 23 de julho, Gilberto Reyes Delgado, juiz da 15° Vara, emitiu uma ordem preventiva, suspendendo as fumigações com glifosato no país inteiro, mas a Direção Nacional de Entorpecentes fez-lhe notar que o amparo somente abrangia os assentamentos indígenas de seis departamentos. Três dias depois, na quinta-feira 26, o juiz modificou a sua decisão inicial, limitando o mandato de suspensão aos assentamentos dos seis departamentos que apresentaram o recurso de amparo.

 

Ao debate sobre fumigação, no Senado da República, compareceu um grupo do assentamento indígena Inga de Aponte (Nariño). Nele, moram 717 famílias, cerca de quatro mil habitantes. Consultados pelo sobre as conseqüências da fumigação aérea, responderam:

Quando começaram as fumigações em sua região?

Como são feitas as fumigações?

As suas reivindicações foram levadas em conta pelo governo?

No programa “A noite”, transmitido por Rádio Cadeia Nacional Televisão (RCN-TV), no dia 15 de agosto, noticiou-se que as fumigações com glifosato, realizadas no assentamento indígena de Inga de Aponte, provocaram muitos prejuízos. Fotos e laudos médicos, comprovando os danos causados na pele das crianças, sustentaram a seguinte denúncia:

 

“Com essas fotografias, a comunidade do Inga quer mostrar ao mundo que as suas crianças sofreram na própria carne as fumigações. Aponte foi fumigado três vezes. Resultado: casos de intoxicação, febre, diarréia, infeções oculares, doenças de pele e nas vias respiratórias”.

 

Além disso, o Defensor do Povo, Eduardo Cifuentes Muñoz, indicou que, submersos na chuva de glifosato, ficaram, também, alguns programas do Plano do Putumayo (sul de Bolívar) que incluem onze projetos de substituição promovidos por países amigos. “A falta de um plano de manejo ambiental fez com que fossem fumigados, de maneira indiscriminada, até cultivos lícitos e onze projetos financiados por governos estrangeiros e pelo próprio governo nacional”, disse ele. O caso mais crítico, segundo a Defesa, aconteceu no último mês de dezembro, quando foram fumigados 45 hectares de floresta dos índios do Putumayo um projeto de substituição patrocinado pela ONU. O glifosato também afetou galpões com galinhas e potreiros, que iriam ser utilizados na pecuária. A Defesa pediu que o governo suspendesse tanto as fumigações quanto o Plano Colômbia, e que se fizesse responsável pelos prejuízos causados às comunidades que se comprometeram a substituir os cultivos.

 

No referido programa de televisão, foram citadas as declarações do segundo comandante do Exército, Sergio Ramírez, quem, no dia 19 de julho, disse: “Aqueles que são contra a fumigação estão defendendo os interesses dos narcotraficantes. Todos os amigos da marginalidade pessoas, logicamente, envolvidas atacam essa atividade”. Diante disso, o senador Orduz manifestou: “... de um lado, não faz jus à capacidade argumentativa; e suas declarações são difamatórias. Trata-se de um debate mundial; e isso que estamos vivenciando, aqui, na Colômbia, é apenas uma expressão local desse grande debate que pretende mudar a política antidrogas, pois ela não tem sido bem-sucedida”. Por sua vez, quanto às declarações, o governador de Nariño, Parmenio Cuéllar, manifestou o seguinte: “Acho essa afirmação irresponsável, não só pelo que disse o senador Orduz, mas, também, porque tenta colocar em um mesmo plano àqueles que sempre tivemos uma postura vertical em relação ao narcotráfico. Todos absolutamente, todos aqueles que objetamos as fumigações somos inimigos do narcotráfico e somos a favor da erradicação dos cultivos, mas não concordamos com a maneira de fazê-lo. Porque as fumigações trouxeram à tona uma questão importante que, aqui, não é mencionada. Aqui, fala-se em impactos no meio ambiente, mas não querem dizer que, aqui, existe um problema social, que é a crise do setor agropecuário, em especial, nos departamentos que vivem das pequenas parcelas”.

 

Durante o debate, o senador Orduz ressaltou que os cultivadores ficam somente com 1% do multimilionário negócio que movimenta, no mundo todo, US$ 400 bilhões por ano. Um quilo de base de coca custa US$ 860; refiná-lo custa US$ 1.500; e, como cocaína, é vendido por US$ 110.000. As tentativas de erradicação através da repressão, argumentou Orduz, causaram o mesmo efeito da gota de mercúrio que é batida com um martelo: dispersa-se, mas não desaparece.

 

O jornal El Espectador(2) menciona que Orduz condenou duramente o desleixo dos governantes colombianos, em especial, dos ministros da Saúde, Sara Ordóñez, e do Meio Ambiente, Juan Mayr, por permitir que a mistura de glifosato e coadjuvantes que quadruplicam o efeito caísse em camponeses e indígenas indefesos, seus cultivos e animais, como aconteceu, na semana passada, na comunidade do Inga de Aponte. “Aí estão, vejam, eles são seus conterrâneos, senhores ministros. Vocês desprezaram os planos de manejo ambiental. A única coisa que faltou dizer foi que [o Roundup] pode ser consumido com cornflakes. Se a mistura era desconhecida, também o eram os seus efeitos. Onde estavam vocês, senhores ministros da Saúde e do Meio Ambiente?”, perguntou o senador.

 

Por sua vez, o ministro de Justiça e Direito, Rómulo González, afirmou que, recentemente, foram feitos estudos para determinar os efeitos produzidos na pele humana por um shampoo para crianças, o herbicida Roundup e um detergente de louça. De acordo com González, o estudo apontou que o shampoo e o herbicida não eram nocivos, mas o detergente causava irritação na pele.(3)

 

Diante dessas insólitas e cínicas declarações, cabe perguntar: quem realizou o estudo?, qual é a marca do detergente e qual é o nome do shampoo? Isso deveria ser uma advertência básica, para que mais ninguém os utilize. Além disso, o senhor ministro González lava o seu cabelo com Roundup? Será por isso que é careca e dá argumentos tão malucos?

 

Parte da informação empregada por Orduz em sua apresentação diz respeito ao caso do fiscal de Nova Iorque que ordenou que a multinacional Monsanto, fabricante do glifosato, retirasse da etiqueta as palavras “biodegradável e ambientalmente seguro”.

 

O debate no Senado da República não foi muito diferente daquele que, em geral, se dá em relação à questão dos transgênicos. Ali, ouviram-se argumentos similares, e aqueles que são a favor das fumigações evidenciaram idêntico desprezo pela vida, a mesma intolerância e arrogância daqueles que defendem o novo paradigma baseado na biotecnologia.

 

Por último, foi gratificante saber que Elsa Nivia, de RAPALMIRA, e integrante da Rede de Ação em Praguicidas e suas Alternativas para a América Latina (RA-PAL), foi quem forneceu apoio técnico ao senador Orduz, quem o reconheceu publicamente.

 

Em sua apresentação, o senador Orduz leu a proposição n° 56, da Ata Plenária da Sessão Ordinária de 5 de fevereiro de 1992, que diz: “O Senado da República recomenda ao Governo Nacional que reveja a decisão tomada pelo Conselho Nacional de Entorpecentes, em 31 de janeiro, em que é aprovado o uso do glifosato, mediante aplicação aérea, a fim de erradicar os cultivos ilícitos em nosso país. Uma decisão dessa natureza não pode ser tomada sem o devido estudo de impacto ambiental e dos efeitos na saúde humana, na flora e na fauna. Assim foi aconselhado por esta corporação, em proposição aprovada por unanimidade em 19 de dezembro de 1991. Se tal decisão foi aprovada com o voto em branco do Ministério da Educação e do Procurador Geral da Nação, e, também, com o voto negativo do Ministério da Saúde, a mesma deve ser estudada com maior vagar, analisando alternativas que nem danifiquem o ecossistema nem afetem a paz social e ecológica”. Entre a de outros senadores, figura a assinatura do então senador Andrés Pastrana Arango, atual presidente da República.

 

Logo depois, Orduz reproduziu um comentário feito pelo senador Pastrana: “... não se sabe quais resultados pode ter o uso de glifosato para a saúde das mulheres, ou do feto, ou os efeitos secundários; portanto, aquilo que a missiva aconselha é abster-se desses elementos”. O que vocês acham?

 

 

Autor: Gerardo Iglesias

© Rel-UITA

 


  1. Cambio. 06.08.01. Bogotá

  2. El Espectador. 15.08.01. Bogotá

  3. El Tiempo. 15.08.01. Bogotá

 

 

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