No ano em que o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou o álcool combustível uma de suas
principais bandeiras, alçando os usineiros a "heróis mundiais", mais da metade
das libertações de trabalhadores em condições degradantes ou análogas à
escravidão no Brasil ocorreu em usinas de cana-de-açúcar.
Em 2007, os grupos
móveis do Ministério do Trabalho resgataram em propriedades do setor
sucroalcooleiro 3.117 pessoas em situação degradante, 53% do total (5.877).
O restante foi resgatado em atividades como pecuária e carvoaria.
O
número chama a atenção especialmente se comparado a 2006 -ano em que nenhum
trabalhador foi libertado em usinas de cana- segundo levantamento feito pelo
ministério a pedido da Folha.
Das 110 operações de resgate realizadas em todo o ano passado, apenas 8 tiveram
usinas de cana como foco.
Uma das operações,
feitas na Pagrisa, em Ulianópolis (PA), estabeleceu um novo recorde de
trabalhadores libertados em uma mesma fazenda: 1.064.
Para o engenheiro de produção Paulo Adissi, da UFPB (Universidade
Federal da Paraíba), a situação dos canaviais brasileiros é em parte reflexo de
uma "pressão muito violenta" sobre o trabalhador, que "aceita condições de
grande aviltamento à saúde e à dignidade porque vive na miséria".
Autor de estudos sobre o trabalho exaustivo no setor, Adissi diz que não
faltam terras nem equipamentos modernos no Brasil. "É
a tecnologia social que é muito arcaica. A elevação da produtividade se dá por
pressão, o que explica as mortes no campo em São Paulo."
Segundo ele, "se forem oferecidos aos trabalhadores salários dignos, é bem
possível que essa chamada vantagem competitiva brasileira do álcool se reduza
muito".
No caso da
Pagrisa,
segundo os
auditores fiscais, foram encontradas irregularidades como proibição de descanso
das 4h30 até depois das 18h, a não ser para almoço, banheiros sem nenhuma
higiene ou conservação, água quente e com gosto de ferrugem e alimentos de baixa
qualidade.
Se
forem oferecidos aos trabalhadores salários dignos, é bem possível
que essa chamada vantagem competitiva brasileira do álcool se reduza
muito |
A
Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) diz que ocorreram "fatos
isolados" e que isso não pode macular a imagem do setor sucroalcooleiro, que tem
problemas, mas trabalha para saná-los.
Fronteira agrícola
Parte das operações ocorreu em áreas onde há crescimento da fronteira agrícola.
Em Mato Grosso do
Sul e em Goiás, foram quatro blitze e 1.622 libertações. Em Igarapava (SP), 42
pessoas foram resgatadas de uma das unidades do grupo Cosan, que se intitula "um
dos maiores produtores de açúcar e álcool do mundo".
Também houve autuações em Minas Gerais e no Ceará. Somente em
indenizações arbitradas pelos fiscais aos libertados do setor de cana, foram
pagos R$ 4,7 milhões em 2007.
Segundo o Ministério do Trabalho, a demanda por um grande número de
trabalhadores para as colheitas após o setor canavieiro ganhar destaque na
economia fez com que aumentasse o número de denúncias de exploração no pico da
safra.
Em razão do número expressivo de libertados, o ministério encaminhou uma
notificação preventiva às usinas de cana com especificações sobre as condições
ideais de trabalho e a remuneração por produção.
Na opinião de Adissi,
o próprio mercado,
ao impor barreiras e exigir certificações de qualidade ambiental e social, pode
controlar essa exploração.
Em março de 2007,
ao falar sobre o incentivo dado em seu governo à produção de álcool e cana, o
presidente Lula disse que os usineiros estavam deixando de ser "bandidos" para
virar "heróis mundiais".
Thiago Reis y
João Carlos Magalhães, Agência Folha
22 de fevereiro
de 2008
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