Judson Barros, da Funaguas, está
sendo processado pela Bunge e recebeu ameaças de produtores de
soja |
A EcoAgência recebeu denúncias de ONGs que acusam a multinacional de
provocar uma devastação sem precedentes no Cerrado, o segundo maior bioma do
país, e de perseguir e tentar intimidar ambientalistas piauienses. Eles
afirmam que o agronegócio e a monocultura da soja, estimulados pela Bunge e
outras grandes empresas, estão causando graves problemas sociais, econômicos
e ambientais na região, com o apoio e incentivos fiscais do governo daquele
Estado.
A multinacional Bunge Alimentos é uma das grandes
responsáveis pela expansão desordenada da monocultura de soja ao sul do
Piauí, afirma o ambientalista Judson Barros, presidente da
Fundação Águas do Piauí (FUNAGUAS).
Ele diz que está sendo alvo de perseguições da empresa e ameaças de
produtores por defender o meio ambiente da região.
Segundo Judson, desde 2003 a multinacional adotou um comportamento de
intimidação em relação a ele e a FUNAGUAS, através de processos
judiciais. A empresa move contra Judson cinco processos alegando
danos morais e pede uma indenização de R$ 2 milhões. Move também um processo
criminal pedindo a sua prisão.
O ambientalista mora em Teresina, onde trabalha e estuda, e conta
que a empresa abriu os processos em Gaspar, Santa Catarina, onde fica a sede
da Bunge Alimentos, e Uruçuí-PI, com o intuito de dificultar a sua
defesa. Ele tem sido um crítico veemente do projeto implementado pela
Bunge no Estado desde 2001,
com o aval do Governo do Piauí, que concedeu à empresa 15 anos de isenções
fiscais que somariam cerca de R$ 200 milhões ao ano.
“Olhos Cerrados”
O uso de lenha como fonte de energia pela Bunge,
segundo as denúncias, está provocando a devastação de matas
nativas |
O uso de lenha
como fonte de energia pela Bunge, segundo as denúncias,
está provocando a devastação de matas nativas
Para tornar pública essa situação, a FUNAGUAS produziu o
documentário “Olhos Cerrados”, vídeo de 14 minutos no qual acusa a
empresa -com sede nos Estados Unidos e 12 fábricas no Brasil- de
promover uma destruição sem precedentes no Cerrado.
Segundo o vídeo, 80% do bioma já estão degradados e apenas 0,85% de sua
área, com dois milhões de quilômetros quadrados, se encontram em Unidades de
Conservação.
A existência de quatro bacias hidrográficas –Tocantins, Araguaia,
Prata e São Francisco – produziu uma grande biodiversidade de fauna e flora
na área.
Existem 10 mil espécies de vegetais, 837 de aves, 212 de mamíferos, 180
diferentes répteis, 1.200 espécies de peixes e 67 mil invertebrados.
No Piauí ficam 37% da extensão do Cerrado, de Sul
a Norte, ao longo do rio Parnaíba.
No entanto, são enormes os impactos sociais, econômicos e
ambientais que se abateram sobre a região a partir da implantação da unidade
da Bunge, que opera com soja transgênica, e o crescimento do
agronegócio no Estado.
Judson Barros cita, como efeitos perversos disso,
a grilagem de terras, trabalho escravo, favelização dos centros urbanos,
assoreamento de rios e riachos, utilização de agrotóxicos em larga escala,
inviabilização da agricultura familiar, expulsão dos pequenos produtores,
desertificação e extinção da flora e fauna nativas.
São enormes os impactos sociais, econômicos e
ambientais que se abateram sobre a região a partir
da implantação da unidade da Bunge, que opera com
soja transgênica, e o crescimento do agronegócio no
Estado do Piauí. |
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“Dados
de pesquisas e depoimentos de especialistas revelam que é impossível se
pensar em desenvolvimento sustentável se não se barrar a expansão da
monocultura da soja no Cerrado do Piauí”, afirma o ambientalista. O agronegócio
precisa de grandes áreas para se expandir, invade áreas nativas, e só
beneficia aos grandes produtores, afirmam os entrevistados do documentário,
como o bispo Francisco Masserdotti.
Além disso, a
Bunge usa 100% de madeira nativa como fonte energética para industrialização
da soja na sua unidade de Uruçuí.
São cerca de 600 metros cúbicos de lenha por dia (que devem passar a 1.200
metros cúbicos/dia neste ano), provocando uma intensa devastação nas matas
do Cerrado.
O
Ibama concedeu licença para extração da madeira numa área de até 30
quilômetros da empresa, mas um laudo do IPT/USP aponta que ela pode estar
vindo de municípios de até 800 quilômetros de distância.
Para tentar se desobrigar da responsabilidade pelo desmatamento, acrescentam
as denúncias, a Bunge teria terceirizado a extração da madeira para
outra empresa, a Graúna. Ainda por cima, a Bunge exibe o
certificado ISO 14001, uma espécie de atestado de respeito ao meio ambiente
que ela utiliza como marketing ambiental. A pressão dos ambientalistas
piauienses é para que a multinacional mude imediatamente a matriz energética
de Uruçuí para preservar as florestas. Também contestam as isenções fiscais
concedidas pelo governo do Estado.
A FUNAGUAS já levou o caso ao Ministério Público Federal, alegando
danos irreparáveis ao meio ambiente, para pedir o embargo das atividades da
indústria. Durante toda a semana passada, a EcoAgência tentou ouvir a
Bunge Alimentos sobre as denúncias. A pedido de sua assessoria de
imprensa, enviamos inclusive algumas perguntas via e-mail. Foram quatro
contatos ao todo com a sede, o último no final da tarde de sexta-feira,
24/08, sem que houvesse resposta ao nosso questionário.
Ameaças de produtores
Área de desmatamento em Uruçuí |
Além dos diversos processos judiciais da Bunge, os
ambientalistas afirmam que também vêm sofrendo ameaças de retaliações por
sua contestação ao agronegócio. O alvo preferido tem sido Judson Barros. Este
é um dos recados que ele recebeu pelo Orkut, em péssimo português:
“cara sou produtor rural em cima da
cerra do piaui, e eu tenho certeza que você ou qualquer outro besta, que
tentar atrapalhar nos, nós vamos agir!! e por isso ja estamos nos reunindo
para fazer uma reunião para ver e estudar seus atos para termos uma conversa
em massa com gv federal e os demais produtores. para ver o absurdo que você
esta fazendo. para que sera que existe IBAMA E MEIO AMBIENTE? sai do meio
que que a chapa ta esquentando pra você, nós somos liberados para desmatar
pagando taxas para o i bamo e estamos legalizados não é tu um orelha seca
que vai impedir. sai fora enquanto é tempo!!!!”
Dia 30 de julho, Judson acionou os meios de comunicação e a
OAB, pois os recados estavam ficando cada vez mais freqüentes e ameaçadores.
Dois dos autores das ameaças foram identificados, são produtores rurais,
residem em Floriano (PI) e seriam oriundos de São Lourenço do Sul, no Rio
Grande do Sul.
“Os ambientalistas do Estado não podem mais defender a vida, pois
quando vão à TV, jornais e portais, o governo e estas empresas procuram
sempre fazer terrorismo contra a nossa luta. É inadmissível esta posição de
defesa que o Governo faz em beneficio dos grandes empresários do agronegócio
desordenado”, desabafa Judson. “A situação ambiental no Piauí é
alarmante, pois o Cerrado não tem lei e quem manda são os grandes
produtores”, completa Dionísio Carvalho Neto, da ONG Rede Ambiental do Piauí
(REAPI).
Protesto em Teresina
Na manhã da última sexta-feira (24/08), estudantes ligados à
REAPI fizeram uma passeata pelas principais ruas do centro de Teresina.
Com apitos, faixas e cartazes os estudantes pediram a atenção do poder
público para a questão ambiental no Estado.
“Soja
destrói o Cerrado",
"Serra
Vermelha quase se foi. Qual será a próxima?” “Governador,
Carvão não é desenvolvimento”, "Fora
BUNGE e JB Carbon”, "Fora
Dalton MAUcambira
(secretário de meio ambiente)”, "Deputados do Piauí querem destruir a Serra
Vermelha”, “Mamona
não é comida”, diziam as faixas.
Estudantes protestaram, sexta-feira, em
frente ao Palácio do Governo, em Teresina |
Dionísio Carvalho disse que este é só o começo, haverá mobilizações
maiores, com os estudantes aliados à sociedade civil organizada, garantiu.
Ele acusa os deputados e o governo do Piauí de serem insensíveis para com o
meio ambiente e incapazes de administrar com responsabilidade. Cita como
exemplo
o
caso da Serra Vermelha, onde foi autorizado o desmatamento de 78 mil
hectares, com o apoio da grande maioria dos deputados de seu Estado, para
produção de carvão pela empresa JB Carbon, num projeto chamado “Energia
Verde”.
“O Governo do Estado quer transformar o Piauí em uma grande
caieira, destruindo a nossa biodiversidade causando danos ambientais e
econômicos irreversíveis”, explicou Divo Carvalho. A passeata
terminou em frente ao Palácio de Karnak, sede do governo Estadual, onde os
jovens estenderam os cartazes e as faixas. Não houve manifestação do governo
estadual sobre o protesto.
Ulisses Almeida Nenê
EcoAgência
29 de agosto de 2007
Fotos: Funaguas / Reapi
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