I Encontro Estadual de Reforma Agrária – FERAESP
Dias 14, 15 e 16 de janeiro de 2009, em Araraquara.
SUBSÍDIO AO DEBATE
1) O trabalho no campo se estabelece a partir da relação
humana com a terra, enquanto meio de produção natural
pré-existente. Terra, assim como outros recursos naturais
decorrem da própria existência do planeta, portanto, não é
produto do homem, mas são apropriados e usados por ele.
2) Ao se apropriar de um pedaço de terra, com ele, o homem
se apropria de outros recursos naturais, muitas vezes
desconsiderados, como por exemplo, água das chuvas,
nascentes, rio, ar, luz solar e até mesmo a fertilidade do
solo que a natureza produziu por milhões de anos.
3) A dominação desses recursos naturais e sua destinação,
enquanto valor de mercado, produz formas de organização e
controle de modo a sustentar o poder sobre os bens naturais
e explorá-los, multiplicando-se mercadorias e cada vez mais
fonte de poder.
4) Essa exploração, num primeiro momento, apenas de recursos
naturais, se consolida e se desenvolve com o homem dominador
passando a explorar outros homens, enquanto mão-de-obra para
produção das mercadorias.
5) Muitas formas de relações de exploração foram
vivenciadas, sendo atualmente a relação de emprego a mais
conhecida.
6) A organização sindical dos empregados rurais ocorre
dentro dos marcos/limites da relação de emprego, pressupondo
a existência de patrão, ou seja, do dominador/explorador.
7) Mas isso é justo? É o que queremos?
8) A FERAESP e seus Sindicatos, desde sua fundação em
16 de Abril de 1989, bem como durante as discussões
preparatórias, firmou posição de que a organização dos
assalariados rurais se constroe em dois pilares
fundamentais, lado a lado, sendo que um desses pilares se
organiza dentro da relação de emprego, procurando unificar
os trabalhadores e seus interesses, dentro da cadeia
produtiva agroindustrial, comercial e financeira.
9) É que o modelo de produção patronal, após dominar os
recursos naturais, a partir da área territorial, estabelece
uma cadeia, ou seqüência de exploração e de multiplicação de
poder, vinculando/subordinando as necessidades de
subsistência humana a uma espécie de engenharia
organizacional favorável à exploração e dominação.
10) Tudo funciona mais ou menos assim: bancos recolhem o
dinheiro do povo e vendem com o nome de crédito ou de
financiamento, para fazendeiros, indústrias e comércio,
chegando até os consumidores.
11) Esse dinheiro, circula também como mercadoria, voltando
do consumidor, seguindo o mesmo caminho de volta até encher
mais ainda os cofres do banqueiro. No caminho do dinheiro,
cada um desses patrões, chamados de agentes econômicos,
retira uma parcela, aumentado ainda mais os preços pagos
pelo consumidor.
12) Da terra, até o consumidor os produtos são resultados do
trabalho de muitos empregados, separados por categorias,
portanto divididos, cujos lucros sustentam banqueiros,
industriários, comerciantes e fazendeiros, todos unidos.
13) Organizar e unificar os empregados desse complexo
agroindustrial, comercial e financeiro é um dos pilares do
projeto estratégico do grupo FERAESP.
14) Todos os trabalhadores são consumidores por natureza,
precisam se alimentar, vestir, ter educação, saúde, lazer,
morar, transportar-se, enfim, comprar mercadorias a todo o
instante.
15) Desta forma, os trabalhadores são explorados, quando
empregados, e sua força de trabalho produz riquezas, que são
apropriadas pelos patrões em forma de lucros, mas também são
explorados enquanto consumidores quando compram as mesmas
mercadorias.
16) O acesso a terra por meio da Reforma Agrária, abre para
os trabalhadores, a possibilidade de desenvolverem um
sistema de produção e abastecimento mais justo, menos
agressivo ao meio ambiente, e sem exploração sobre o próprio
homem.
17) Aqui reside o segundo pilar da construção estratégica da
organização FERAESP, impondo a necessidade de
conquistarmos a terra e nela estabelecer relações diferentes
do modelo patronal, cujas características principais são à
agressão ambiental, a super exploração dos trabalhadores e
consumidores com forte apoio governamental, tendo como
conseqüência a maior concentração de terras, de riquezas e
de poder, com forte exclusão social.
18) Tradicionalmente, os Assentamentos de Reforma
Agrária e a Agricultura Familiar, têm se curvado, assumindo
o modelo patronal e reproduzindo suas características e
conseqüências.
19) Não possuindo alternativas, trabalhadores
assentados e agricultores familiares acabam por reproduzir
as mesmas relações multiplicadoras da exclusão social,
produzindo mais trabalhadores sem terra, sem moradia, sem
trabalho, sem renda, etc.
20) Muitas vezes, esse processo excludente ocorre no
próprio seio familiar, mulheres e jovens são isolados dos
processos decisórios e, sem saída, buscam soluções fora,
voltando a ser mão-de-obra barata, disputando vagas de
emprego com outros trabalhadores. Retoma-se assim um ciclo
vicioso perverso.
21) O Estado e suas políticas dirigidas aos Assentamentos e
Agricultores Familiares vêm favorecendo esse ciclo vicioso,
conduzindo os trabalhadores a uma situação sem rumo próprio.
22) A individualização das políticas, sob a exclusividade
do homem titular da parcela de terra, a sub utilização da
capacidade criativa e produtiva dos trabalhadores e de suas
comunidades, reduzindo somente na lida com a terra, a
dependência de insumos, técnicas, máquinas e financiamentos
vindos do modelo patronal e produzindo, na maioria dos
casos, matérias primas ou produtos não acessíveis aos
consumidores diretamente, são fatores que vem deixando,
principalmente, os Assentamentos num impasse quanto ao
presente, para os mais antigos e, quanto ao futuro, para os
mais recentes.
23) Se por um lado, combatemos a exploração patronal, a
concentração da terra, da renda, e do poder; defendemos o
meio ambiente, tudo como fundamento para realizar a Reforma
Agrária e promover o acesso à terra aos trabalhadores, por
outro lado, assumimos responsabilidade social quando
conquistamos a terra.
24) Olhar para o Assentamento muito mais como uma comunidade
de trabalhadores e, menos, como uma área de terra a gerar
riquezas a qualquer custo, talvez seja um novo começo.
25) Reconhecer e fortalecer o saber, as aptidões, vocações e
habilidades dos diferentes grupos da comunidade assentada,
numa perspectiva de produção de bens e serviços, destinados
diretamente à satisfação das necessidades de consumo dos
trabalhadores enquanto consumidores organizados, talvez seja
outro desafio.
26) Melhor capacitar e organizar-se para assumir o processo
de produção final, com o máximo de autonomia desde os
insumos, agricultura, industrialização, embalagem,
armazenagem e entrega direta aos consumidores, deve merecer
maiores investimentos.
27) Uma comunidade de assentados, por certo, possuem
inúmeras possibilidades, muitas vezes ocultas ou inibidas,
porque o nosso olhar tradicional enxerga mais a terra do que
os seres humanos. Certamente, trabalhadores e trabalhadoras,
adultos e jovens, sabem e são capazes de fazer muitas coisas
úteis a sua própria comunidade, e a ofertá-las aos demais
trabalhadores, por meio de sistemas de comercialização
direta e mais justa.