Perú

O governo criminaliza a marcha de protesto dos nativos amazônicos

 

Com uma mobilização a nível nacional, numerosas organizações sociais, sindicais, gremiais, de mulheres e de direitos humanos condenam a sangrenta operatção policial ordenada pelo governo para desalojar cinco mil nativos que ocuparam um setor da rodovia norte-oriental, e que reclamavam a anulação de vários decretos legislativos “anticonstitucionais e antiamazônicos”.

 

Quinta-feira, 11 de junho, o Peru será palco de mobilizações e greves regionais convocadas pela Frente de Defensa da Vida e da Soberania Nacional –que desde 7 de junho passado é formada por grêmios de trabalhadores, organizações sociais e partidos políticos– visando canalizar o protesto da cidadania diante do massacre perpetrado na sexta-feira 5 de junho onde, oficialmente, morreram 24 policiais e 9 nativos.

 

O sacerdote Casinaldo Ramos, da Arquidiocese de Chachapoyas, disse à Rádio Programas que o Ministério Público lhes informou da existência de uma fossa com cadáveres de nativos amazônicos. “O número de corpos é indeterminado”, assinalou.

 

Shuar Velásquez Ruiz, coordenador do Movimento Estudantil Indígena, denunciou que os cadáveres dos indígenas assassinados tinham sido jogados no rio Marañón e que o número de mortos subiria para mais de 50, “mas que esta situação estaria sendo ocultada por militares e policiais”.

 

Em seu afã de silenciar os meios de comunicação não submissos, o governo está tratando de silenciar a emissora La Voz, que cubriu os protestos dos povos amazônicos, e já teriam cancelado a licença que permite o funcionamento de outras duas emissoras, informou Carlos Flores, Enviado Especial da Coordenadoria Nacional da Rádio (CNR) na província de Utcubamba (Bagua).

 

Flores disse que o número de mortos indígenas ainda não foi determinado, e que até o momento dessa informação só puderam identificar onze corpos, apesar de que mencionou que existem numerosas denúncias, ainda sem constatar, de que em zonas próximas ao enfrentamento existiriam mais cadáveres.

 

Resposta imediata

 

Após a operação, na sexta-feira 5, de maneira espontânea diferentes organizações sociais, gremiais e sindicais marcharam pela capital peruana até o Ministério da Defesa para protestar contra o governo pela violenta repressão na zona norte-oriental do Peru.

 

Não poderão silenciar o protesto popular; a selva não se vende, a selva se defende; o povo sabe e tem razão, o APRA é um governo de fome e repressão”, gritaram a uma só voz centenas de manifestantes que saíram às ruas de Lima para protestar.

 

Encabeçando a mobilização estava Rosilda, dirigente shipiba, coordenadora do Programa Mulher Indígena da Associação Interétnica de Desenvolvimento da Selva Peruana (AIDESP), que consultada por Sirel disse que a mobilização “é em rechaço à criminalização de nossos irmãos indígenas pelo governo de Alan García. Nós não vamos permitir que nossos irmãos sejam tratados como delinquentes”.

 

Por outro lado, a dirigente de AIDESP lamentou “a atitude dos meios de comunicação por sua forma parcial  de informar a problemática amazônica”, e também que muitos indígenas não possam recuperar os cadáveres de seus familiares mortos; “sobre eles não dizem nada, só falam das baixas dos policiais. Nós não existimos para eles, apesar de que todos sejamos peruanos”, disse.

 

Juan José Gorriti, da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), disse a Sirel que participava da mobilização “em defesa da Amazônia e em rechaço à violência contra os indígenas que só estão exigindo o respeito aos seus direitos. O governo usou de armas porque se vendeu ao imperialismo, às grandes transnacionais, e devido a essa obsessão por entregar nossos recursos naturais não aceitam os protestos feitos pelo povo.

 

Vamos seguir nos mobilizando, e vamos convocar quantas greves nacionais forem necessárias para que o governo aceite as reivindicações de nossos companheiros amazônicos que estão defendendo e arriscando suas vidas. Diante disso, não podemos permanecer impassíveis”, afirmou.

 

Américo, líder da comunidade nativa de Nova Andoas, Região Loreto, selva baixa, desconfia do Estado e do governo central porque há 40 anos sua comunidade “está afetada pela exploração de petróleo realizada pela empresa Pluspetrol, que vem contaminando nossa terra, nossos rios. Agora temos que ir pescar no Equador, porque em nosso território já não há peixes”, disse.

 

Lourdes Huanca, presidenta da Federação de Mulheres Camponesas, Artesãs, Nativas e Assalariadas do Peru (FEMUCARINAP), ao denunciar que os corpos dos nativos mortos não estão sendo entregues pelos policiais aos seus familiares, disse que “fomos às ruas em solidariedade com nossos irmãos amazônicos, que este governo genocida está matando como se fossem animais”.

 

“Temos noticias de que cerca de 26 irmãos nativos morreram, assim como os 24 policiais,  o que  lamentamos, mas o único responsável por estas mortes é o governo, que não quer anular os decretos que atentam contra a soberania dos povos amazônicos”.

 

Soledad Lozano, do Colégio de Professores do Peru, disse que participava na mobilização “em protesto pelo massacre do qual a comunidade amazônica foi vítima, e para expressar nosso rechaço à atitude autoritária e repressiva do governo que se nega a encontrar uma solução através do diálogo”.

 

O movimento socialista e feminista também esteve na mobilização, “para demonstrar sua profunda indignação, porque temos que recuperar a memória para nossa sociedade, recordar que este governo já matou, desprezou e agiu com total impunidade demonstrando incapacidade democrática para resolver os conflitos”, assinalou María Isabel Cedano, integrante deste movimento.

 

Luta que não fraqueja

 

Apesar da defesa da Amazônia por parte dos nativos ser antiga, só agora em agosto de 2008, após a promulgação de vários decretos legislativos considerados lesivos, que as comunidades nativas conseguiram que dois deles, os que mais ameaçavam as terras e a estrutura das comunidades, fossem anulados após uma greve por tempo indeterminado.

 

Nessa oportunidade, o Congresso se comprometeu a formar uma comissão para avaliar os outros decretos, mas não cumpriu com esse acordo. Muito pelo contrário, suspendeu o processo e promulgou a Lei de Recursos Hídricos 29.338, que põe em questão a prioridade no uso da água para a agricultura, abrindo as portas para a privatização de sua administração, sugerem alguns analistas, o que beneficiaria as empresas mineiras e extrativistas.

 

A inconstitucionalidade dos decretos

 

Após analisar o Decreto Legislativo N° 1064, a Defensoria do Povo concluiu que deixa os direitos de identidade cultural, da propriedade da terra e de consulta prévia dos povos indígenas bastante vulneráveis, direitos estes previstos na Constituição Política e no Convenio N° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Defensoria apresentou uma demanda de inconstitucionalidade ao Tribunal correspondente.

 

Os Decretos Legislativos considerados inconstitucionais pelos nativos são o 994, que promove o investimento privado em Projetos de Irrigação para a Ampliação da Fronteira Agrícola; o 995, que modifica a Lei Nº 29.064 de Relançamento do Banco Agropecuário –Agrobanco–, o 1020 para a promoção da organização dos produtores agrários e a consolidação da propriedade rural para o crédito agrário.

 

Também questionam o decreto legislativo 1060, que regula o sistema nacional de inovação agrária; o 1063, que aprova a lei de adquisições estatais através das bolsas de mercadorias; o 1081, que cria o sistema nacional de recursos hídricos; o 1083, que promove o aproveitamento eficiente e a conservação dos recursos hídricos e o 1089 que estabelece o regime temporário extraordinário de formalização e titulação de terrenos rurais.

 

Nem tudo foi dito

 

O premier, Yehude Simon, revelou ao Congresso da República que para a operação policial em Bagua, na que morreram 24 policiais e um número ainda indeterminado de nativos, foi estabelecido que os policiais não levariam “armas letais”, e por isso o premier disse sentir-se culpado pela morte dos uniformizados.

 

Entretanto, as fotografias mostradas nos últimos dias por jornalistas e instituições defensoras dos direitos humanos demonstram o contrário, ao apresentar cadáveres de nativos com impactos de bala.

 

Os nativos advertiram que nesta luta arriscavam a vida, tentavam negociar e não tiveram a resposta que esperavam. Hoje, três dias depois da matança, o premier Yehude Simon e a ministra do Interior, Mercedes Cabanillas, insistem perante o Congresso da República em desinformar e apresentam os povos amazônicos como selvagens, ignorantes e manipulados.

 

A esta campanha na mídia contra os povos amazônicos une-se o próprio presidente Alan García ao declarar para os meios de comunicação que “por trás dos protestos há interesses internacionais para que o Peru não saia do subdesenvolvimeno, e também há muita desinformação”.

Em Lima, Julia Vicuña Yacarine

Rel-UITA

15 de junho de 2009

 

 

 

Fotos: http://www.flickr.com/photos/diogenesampam/sets/72157618828518022/show/

 

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