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Porto Alegre
Fumageiras exploram pequenos agricultores |
O advogado Guilherme Eidt está na região do Vale do
Rio Pardo pesquisando os efeitos decorrentes do
contato das crianças com a nicotina das folhas de
fumo.
Ele já publicou, em 2005, o livro “Fumo: servidão
moderna e violações de direitos humanos”, em que
analisa a condição dos pequenos agricultores que se
dedicam à produção de fumo, especialmente no Rio
Grande do Sul.
No dia 2 de fevereiro, uma agricultora do município
de Vale do Sol se suicidou, quando sua produção de
fumo era tomada, por determinação judicial, em favor
da empresa Alliance One. Guiherme Eidt
estava na região e acompanhou o caso.
Nesta entrevista, ele avalia as razões que levam um
fumicultor ao suicídio e analisa a exploração
praticada pelas indústrias fumageiras sobre os
pequenos agricultores.
-Guilherme, como você explica a relação entre as
indústrias fumageiras e os pequenos agricultores?
-É uma relação de dependência. As indústrias se
valem das necessidades dos fumicultores, para
explorá-los fortemente. É uma relação de servidão
quase. Se você pegar um dado técnico, o Índice de
Desenvolvimento Humano das principais regiões
fumageiras indicam que os municípios onde elas se
instalam apresentam um IDH muito baixo, se
encontrando nas piores colocações no ranking de
qualidade de vida dos municípios.
-Casos como o da agricultora que se suicidou,
infelizmente, são comuns. Quais são as razões para
isso?
-Existe uma exposição muito forte dos pequenos
agricultores aos agrotóxicos. Eles vivem numa
condição de tensão muito grande, as pressões
colocadas pelas indústrias fumageiras em torno do
processo de comercialização, a exploração mesmo dos
pequenos agricultores com a classificação feita
pelas indústrias, que gera um endividamento
programado dos pequenos agricultores. Elas
conseguem se articular e programar o cumprimento dos
seus contratos de exportação do fumo, mantendo o
fumicultor nesta servidão, que faz com que eles
fiquem anos trabalhando para pagar suas dívidas com
uma mesma empresa. Eles têm um processo de
acúmulo de agrotóxicos, além da situação de pressão
econômica dentro da cadeia de integração com as
indústrias fumageiras, o que faz com que, no momento
em que se encontram mais explorados, muitas vezes
percam a noção e partam para situações extremas,
como o suicídio.
-Como funciona essa cadeia produtiva do fumo,
totalmente controlada pelas empresas, que exploram
os agricultores?
-Ela está alicerçada neste contrato de compra e
venda do fumo, que é o contrato de adesão. O
fumicultor não tem condição nenhuma de opinar sobre
o que ele está acordando com as empresas. E a cadeia
se vale do pacote tecnológico, que proporciona
algumas facilidades para o fumicultor num primeiro
momento, mas se ele descontar o trabalho das
crianças, da esposa, os problemas de saúde, ele vai
perceber que a atividade do fumo não é tão rentável.
Ainda mais quando você está sujeito ao controle das
indústrias sobre o processo de classificação do fumo
e definição dos preços. Ele não tem muita saída. Ou
se submete, ou não consegue permanecer plantando
fumo.
-Quais são as conseqüências do contato com a folha
de fumo e com os agrotóxicos utilizados na lavoura
para a saúde dos agricultores?
-Existem estudos, nos Estados Unidos
principalmente, demonstrando que o contato com a
folha do fumo verde – e daí o nome da doença,
“doença da folha verde” – produz uma série de
maus-estares: tontura, tremedeira, fraqueza, ânsias
de vômito. Tem casos de pessoas que perdem um pouco
a visão. As pessoas relatam muitos casos de insônia.
Tem muitos problemas decorrentes dessa exposição. E
as crianças, igualmente. Conforme elas ficam com
um pouco mais de idade e começam a trabalhar no
fumo, se expõem igualmente ao contato com a nicotina
das folhas de fumo e com os agrotóxicos, que a gente
sem que têm um efeito danoso para a saúde dos
agricultores, um efeito cumulativo no organismo que
proporciona muitas vezes distúrbios, inclusive no
sistema nervoso das pessoas.
-Na sua opinião, como as empresas estão se
preparando para uma possível diminuição na produção
de fumo, agora com a Convenção Quadro e com estes
projetos de diversificação das culturas?
-Eu vejo que as indústrias têm uma rede
internacional muito bem articulada e, mesmo no
Brasil, uma estrutura muito bem consolidada.
Então, elas estão aguardando ver se os agricultores
conseguem se motivar. Eu entendo que elas estão numa
posição defensiva mas, ao mesmo tempo, têm
iniciativas para mostrar para os fumicultores que
não são tão rentáveis. Na verdade, fazem iniciativas
como estas que a Afubra (Associação dos
Fumicultores do Brasil) vem ajudando a promover,
de agroflorestas e produção de biodiesel, mas no
sentido de não fortalecer essas iniciativas.
É para mostrar que fazem algumas coisa, mas na
prática não implementam direto com o pequeno
agricultor: fazem acordos com prefeituras, não
incentivam a pequena unidade produtiva a
diversificar sua produção. Até porque elas não
possibilitam, pela exploração econômica que fazem,
que o agricultor amplie sua área plantada. Há
inúmeros casos de arrendatários e parceiros que
trabalham com o fumo, e a condição deles é mais
delicada ainda, porque eles não têm perspectiva de
conseguir sua própria terra para plantar e
diversificar sua produção em escala que permita sua
inserção no mercado local. E, mesmo a questão das
prefeituras. Elas se acomodam com os recursos que
recebem dessas indústrias e não proporcionam aos
agricultores uma comercialização local da produção
da agricultura camponesa. Os agricultores não têm
acesso ao abastecimento da merenda escolar, por
exemplo, ou mesmo nos hospitais que poderiam
adquirir a produção dos pequenos agricultores. Mas
os processos de licitação são feitos e buscam
recursos em outras localidades, e não na própria
municipalidade.
-Como seria uma forma de adequada de implementar a
diversificação da produção dos agricultores?
-Com a venda direta do produto do pequeno agricultor
para o mercado local. É todo um rearranjo das
estruturas territoriais de produção,
comercialização, distribuição e circulação desses
alimentos. E priorizar, dentro da pequena
propriedade familiar, a produção de energia, que
permite ao produtor maior sustentabilidade de suas
atividades.
Luiz Renato Almeida
Agencia Chasque
8 de marzo de 2007
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