Brasil - Porto Alegre

Fumageiras exploram pequenos agricultores

 

 

O advogado Guilherme Eidt está na região do Vale do Rio Pardo pesquisando os efeitos decorrentes do contato das crianças com a nicotina das folhas de fumo.

Ele já publicou, em 2005, o livro “Fumo: servidão moderna e violações de direitos humanos”, em que analisa a condição dos pequenos agricultores que se dedicam à produção de fumo, especialmente no Rio Grande do Sul.

 

No dia 2 de fevereiro, uma agricultora do município de Vale do Sol se suicidou, quando sua produção de fumo era tomada, por determinação judicial, em favor da empresa Alliance One. Guiherme Eidt estava na região e acompanhou o caso.

 

Nesta entrevista, ele avalia as razões que levam um fumicultor ao suicídio e analisa a exploração praticada pelas indústrias fumageiras sobre os pequenos agricultores.

 

-Guilherme, como você explica a relação entre as indústrias fumageiras e os pequenos agricultores?

-É uma relação de dependência. As indústrias se valem das necessidades dos fumicultores, para explorá-los fortemente. É uma relação de servidão quase. Se você pegar um dado técnico, o Índice de Desenvolvimento Humano das principais regiões fumageiras indicam que os municípios onde elas se instalam apresentam um IDH muito baixo, se encontrando nas piores colocações no ranking de qualidade de vida dos municípios.

artículo relacionado

27-2-2007

Brasil - Porto Alegre

Agricultora se mata após arresto de fumo no RS

Por Luiz Renato Almeida

 

-Casos como o da agricultora que se suicidou, infelizmente, são comuns. Quais são as razões para isso?

-Existe uma exposição muito forte dos pequenos agricultores aos agrotóxicos. Eles vivem numa condição de tensão muito grande, as pressões colocadas pelas indústrias fumageiras em torno do processo de comercialização, a exploração mesmo dos pequenos agricultores com a classificação feita pelas indústrias, que gera um endividamento programado dos pequenos agricultores. Elas conseguem se articular e programar o cumprimento dos seus contratos de exportação do fumo, mantendo o fumicultor nesta servidão, que faz com que eles fiquem anos trabalhando para pagar suas dívidas com uma mesma empresa. Eles têm um processo de acúmulo de agrotóxicos, além da situação de pressão econômica dentro da cadeia de integração com as indústrias fumageiras, o que faz com que, no momento em que se encontram mais explorados, muitas vezes percam a noção e partam para situações extremas, como o suicídio.

 

-Como funciona essa cadeia produtiva do fumo, totalmente controlada pelas empresas, que exploram os agricultores?

-Ela está alicerçada neste contrato de compra e venda do fumo, que é o contrato de adesão. O fumicultor não tem condição nenhuma de opinar sobre o que ele está acordando com as empresas. E a cadeia se vale do pacote tecnológico, que proporciona algumas facilidades para o fumicultor num primeiro momento, mas se ele descontar o trabalho das crianças, da esposa, os problemas de saúde, ele vai perceber que a atividade do fumo não é tão rentável. Ainda mais quando você está sujeito ao controle das indústrias sobre o processo de classificação do fumo e definição dos preços. Ele não tem muita saída. Ou se submete, ou não consegue permanecer plantando fumo.

 

-Quais são as conseqüências do contato com a folha de fumo e com os agrotóxicos utilizados na lavoura para a saúde dos agricultores?

-Existem estudos, nos Estados Unidos principalmente, demonstrando que o contato com a folha do fumo verde – e daí o nome da doença, “doença da folha verde” – produz uma série de maus-estares: tontura, tremedeira, fraqueza, ânsias de vômito. Tem casos de pessoas que perdem um pouco a visão. As pessoas relatam muitos casos de insônia. Tem muitos problemas decorrentes dessa exposição. E as crianças, igualmente. Conforme elas ficam com um pouco mais de idade e começam a trabalhar no fumo, se expõem igualmente ao contato com a nicotina das folhas de fumo e com os agrotóxicos, que a gente sem que têm um efeito danoso para a saúde dos agricultores, um efeito cumulativo no organismo que proporciona muitas vezes distúrbios, inclusive no sistema nervoso das pessoas.

 

-Na sua opinião, como as empresas estão se preparando para uma possível diminuição na produção de fumo, agora com a Convenção Quadro e com estes projetos de diversificação das culturas?

-Eu vejo que as indústrias têm uma rede internacional muito bem articulada e, mesmo no Brasil, uma estrutura muito bem consolidada. Então, elas estão aguardando ver se os agricultores conseguem se motivar. Eu entendo que elas estão numa posição defensiva mas, ao mesmo tempo, têm iniciativas para mostrar para os fumicultores que não são tão rentáveis. Na verdade, fazem iniciativas como estas que a Afubra (Associação dos Fumicultores do Brasil) vem ajudando a promover, de agroflorestas e produção de biodiesel, mas no sentido de não fortalecer essas iniciativas.

 

É para mostrar que fazem algumas coisa, mas na prática não implementam direto com o pequeno agricultor: fazem acordos com prefeituras, não incentivam a pequena unidade produtiva a diversificar sua produção. Até porque elas não possibilitam, pela exploração econômica que fazem, que o agricultor amplie sua área plantada. Há inúmeros casos de arrendatários e parceiros que trabalham com o fumo, e a condição deles é mais delicada ainda, porque eles não têm perspectiva de conseguir sua própria terra para plantar e diversificar sua produção em escala que permita sua inserção no mercado local. E, mesmo a questão das prefeituras. Elas se acomodam com os recursos que recebem dessas indústrias e não proporcionam aos agricultores uma comercialização local da produção da agricultura camponesa. Os agricultores não têm acesso ao abastecimento da merenda escolar, por exemplo, ou mesmo nos hospitais que poderiam adquirir a produção dos pequenos agricultores. Mas os processos de licitação são feitos e buscam recursos em outras localidades, e não na própria municipalidade.

 

-Como seria uma forma de adequada de implementar a diversificação da produção dos agricultores?

-Com a venda direta do produto do pequeno agricultor para o mercado local. É todo um rearranjo das estruturas territoriais de produção, comercialização, distribuição e circulação desses alimentos. E priorizar, dentro da pequena propriedade familiar, a produção de energia, que permite ao produtor maior sustentabilidade de suas atividades.

 

Luiz Renato Almeida

Agencia Chasque

8 de marzo de 2007

 

 

Volver a Portada

  

  UITA - Secretaría Regional Latinoamericana - Montevideo - Uruguay

Wilson Ferreira Aldunate 1229 / 201 - Tel. (598 2) 900 7473 -  902 1048 -  Fax 903 0905