Há aproximadamente um ano, os ex-trabalhadores
bananeiros afetados pelo mortal agrotóxico Nemagón
entravam em Manágua para se instalar novamente diante da
Assembléia Nacional
e começar outra etapa da sua luta interminável.
Em sua quinta marcha rumo à capital, os filiados à
Associação de Trabalhadores e ex Trabalhadores Afetados
pelo Nemagón (ASOTRAEXDAN) pediam ao atual
governo o cumprimento dos acordos assinados em maio de
2005 e aos deputados da Assembléia Nacional a aprovação
de uma pensão vitalícia para todas e todos os afetados.
Paralelamente, a ASOTRAEXDAN continuava
impulsionando uma negociação direta com a transnacional
DOLE, para chegar a uma indenização justa para
seus filiados e para os familiares dos milhares de
mortos, renunciando, desta forma, a prosseguir com as
demandas nos tribunais contra as multinacionais que
produziram, comercializaram e aplicaram o nefasto
agrotóxico.
Depois de oito meses de permanência no local conhecido,
nacional e internacionalmente, como a “Cidadela do
Nemagón”, em dezembro de 2007 fortes diferenças surgidas
no seio da própria organização obrigaram à diretoria da
ASOTRAEXDAN e a uma parte dos filiados a
abandonar o lugar, sem terem sequer alcançado nenhuma
parte dos objetivos fixados.
Esse final tão abrupto, que de fato reflete a
fragilidade de uma organização que no passado soube
levantar a bandeira de uma luta para a defesa dos
direitos violados de milhares e milhares de
ex-trabalhadores e trabalhadoras bananeiros, nos obriga
a ir mais além dos
acontecimentos cotidianos. Exige de nós uma reflexão
sobre os danos incalculáveis gerados pela divisão entre
os diferentes grupos de afetados pelo Nemagón, que fez
com que, dessa forma, fosse jogado o jogo das
multinacionais e dos governos que nunca quiseram se
responsabilizar pelo ocorrido, evitando tratar esse
drama como uma verdadeira emergência nacional.
Onde estão os bananeiros?
Victorino
Espinales |
Pelo tempo que já se passou, a questão do Nemagón parece ter
desaparecido da agenda nacional. Entretanto, para
Victorino Espinales, presidente da ASOTRAEXDAN, a
luta não foi abandonada, somente “que depois dos problemas
que tivemos em Manágua preferimos seguir trabalhando
mantendo um perfil baixo. Estamos nos reunindo mensalmente
com nossas bases em todas as regiões onde temos filiados e
mudamos a tática de nosso trabalho organizativo, para não
continuarmos sendo atacados pelos outros grupos de afetados.
Com respeito às reivindicações que nos levaram a marchar
pela quinta vez, continuamos nos reunindo com a Comissão
Especial para o Nemagón da Assembléia Nacional, conseguindo
incluir uma verba de quase 37 milhões de córdobas (cerca de
2 milhões de dólares) no orçamento do Ministério da Saúde (MINSA),
para o atendimento sanitário aos afetados pelo Nemagón.
Infelizmente, o atual ministro foi orientado pelo governo a
não se reunir conosco para poder utilizar esta verba
orçamentária especial. Isso evidencia uma política hostil e
contrária à nossa organização, cujos membros não estão sendo
atendidos pelo sistema de saúde pública, apesar de, na
agenda-debate da Assembléia Nacional, ter ficado claro que
esta verba era para os afetados que assinaram acordos com o
governo”, disse Espinales.
Outro tema
trabalhado com a comissão da Assembléia Nacional está
relacionado com a reivindicação de uma pensão vitalícia para
os milhares de afetados e afetadas.
“Trabalhamos muito bem e estávamos a ponto de ver aprovado o
projeto de lei que concede uma pensão vitalícia de 200
dólares mensais, mas a crise institucional ocorrida no país
paralisou os trabalhos do parlamento. Agora temos que
retomar as reuniões para concluir o trabalho e apresentá-lo
ao plenário para discussão e aprovação”, explicou o
presidente da ASOTRAEXDAN.
É diferente a opinião de Antonio Hernández Ordeñana,
advogado do escritório legal nicaragüense que trabalha com o
advogado Juan José Domínguez, que venceram demandas
contra as multinacionais norte-americanas na Corte Superior
de Los Angeles, Califórnia. Segundo Hernández “há
certas situações que não podem acontecer. Dizer que vamos
conseguir uma pensão vitalícia para os afetados é uma
tremenda mentira e uma utopia. Se calcularmos 200 dólares
mensais por dezenas de milhares de afetados, isso representa
uma quantidade de dinheiro que o país não dispõe. Até já nos
reunimos com a Comissão Especial da Assembléia Nacional e os
próprios deputados que a compõem nos disseram que jamais vão
deixar que um projeto desse tamanho passe, porque não há
recursos para que o Estado os assuma. Além do mais
-continuou Hernández-, é muito perigoso, porque no
anteprojeto estes 200 dólares seriam como uma indenização
para os afetados e isto faria com que ficassem privados do
direito de apresentar demandas no futuro”, explicou o
advogado.
Alarme ambiental
Espinales
explicou, também, que estão insistindo para que o
governo leve a sério o estudo realizado no ano passado
pelo Centro de Pesquisa em Recursos Aquáticos (CIRA,
na sigla em espanhol) da UNAN Manágua. Neste
estudo, ficou evidente o alto nível de contaminação por
agrotóxicos, entre eles o DBCP, nos recursos hídricos do
oeste do país. “Demonstramos publicamente o estado das
águas nesta região do país e o governo tem que responder
implementando um programa para a descontaminação e para
evitar que os métodos de produção continuem contaminando
nossos recursos naturais. Para nós isso foi uma grande
vitória”.
A ASOTRAEXDAN
participou também da III Cúpula dos Povos em Lima,
Peru, onde a sessão do Tribunal Permanente dos Povos
(TPP) decidiu assumir o caso dos ex-trabalhadores
bananeiros da Nicarágua
e de Honduras afetados pelo Nemagón, incluindo na
resolução final que condena as multinacionais
norte-americanas e européias (Shell Oil Company). Esta organização de afetados participará também do VII
Foro Mesoamericano dos Povos e na audiência do TPP
sobre agrotóxicos na Guatemala,
nos meses de julho e outubro de 2008, respectivamente.
Com respeito à luta histórica
contra as multinacionais para que indenizem os afetados pelos danos
ocasionados, Espinales lembrou que há uns anos a
ASOTRAEXDAN abandonou os escritórios legais e
renunciou às reivindicações nos tribunais nacionais e
internacionais, buscando uma negociação direta
com a
Dole.
Sobre isso, o
presidente da ASOTRAEXDAN disse que “no início as
pessoas não entenderam esta decisão, mas agora está
percebendo que tínhamos razão porque a maioria das
demandas foi apresentada nos Estados Unidos.
Atualmente estamos retomando o diálogo com a
Dole,
mas o melhor seria que o governo aceitasse ser a parte
facilitadora nestas negociações, mas até agora ele não
quis fazê-lo. Estamos também tratando de começar a
dialogar com a
Shell,
mas ao mesmo tempo estamos retomando a idéia de uma
demanda judicial, porque nossa insatisfação não é com a
demanda em si, mas com os escritórios de advocacia e com
a sua maneira de levar o caso aos tribunais”, concluiu
Espinales.
Continuam as demandas contra as multinacionais
Em
novembro de 2007, um juízo declarou duas empresas
multinacionais norte-americanas culpadas -Dow
Chemical Company
e
Dole Fruit
Company Inc-
por terem produzido e aplicado o mortal agrotóxico
Nemagón que afetou milhares de trabalhadores bananeiros
e suas famílias. A decisão judicial beneficiou, com uma
quantidade de 3,3 milhões de dólares, seis dos doze
demandantes, ao reconhecer-lhes o estado de esterilidade
causado pelo contato direto com o agente químico.
Em uma segunda e histórica decisão judicial, a
Dole foi também condenada a pagar 2,5 milhões de dólares adicionais a cinco
dos seis demandantes por danos punitivos ou exemplares,
entretanto esta segunda sentença foi posteriormente
anulada pela juíza Victoria Gerrard Chaney.
Antonio
Hernández |
De acordo com o advogado Antonio Hernandez Ordeñana,
“nós apelamos da sentença e temos confiança de que o
tribunal de segunda instância reverterá esta decisão, porque
não tem base legal. O sistema judicial norte-americano
-continuou Hernández Ordeñana- se baseia na
jurisprudência e neste caso não existe uma sentença que
possa avalizar a decisão tomada pela juíza, passando sobre
doze membros de um júri que reconheceram que a
Dole
tinha atuado de má fé. Estamos prevendo que o tribunal
resolverá isso dentro de um ano”.
Hernández
informou também que existem outras demandas em tribunais
nacionais e norte-americanos. “Na Corte Superior de Los
Angeles temos um processo denominado “Caso Mejía” e já está
programado o início do julgamento para fevereiro de 2009.
Atualmente estamos preparando toda a documentação e as
provas a serem apresentadas. No Tribunal de Chinandega
-continuou Hernández- temos 76 demandas instauradas
contra a
Dole,
a
Amvac e a
Dow Chemical Company, envolvendo 5 mil pessoas. Uma destas reivindicações contra a
Dole
está na etapa probatória e esperamos ter um veredicto entre
agosto e setembro deste ano, enquanto que, em outros dois
processos, estamos na etapa de debates e são contra todas as
multinacionais, que estão presentes e se defendendo. Para
dar maior força ao momento de execução da sentença,
aceitamos que nossos clientes se submetam a exames médicos
durante o processo. Desta maneira vamos evitar que as
empresas impugnem os exames que fizeram no passado”,
concluiu o advogado.
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