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Nestlé Chile:

Produzir mais a qualquer custo

 

Em dezembro passado Consumer Internacional denunciava que os cereais “para crianças” da Nestlé e da Kellog’s continham overdose de açúcar, sal e publicidade. Cinco meses depois, a Nestlé anunciou que se propunha a reduzir 25 por cento do sal e 5 por cento do açúcar nos seus produtos durante os próximos cinco anos. Simultaneamente, anunciou, em mais de 100 países, o início do projeto  Nestlé Healthy Kids (Crianças saudáveis) contendo programas educativos sobre nutrição e atividade física destinados aos estudantes. Entendemos que a Nestlé se preocupe –ainda que por pressão das denúncias pela saúde dos consumidores. O que não entendemos é a sua falta de interesse pela saúde dos seus trabalhadores. Como exemplo, vejamos o que ocorre na Nestlé Chile.

 

Horas extraordinárias e sem feriados como sistema

 

O lema da Nestlé Chile empresa que chega aos 950 milhões de dólares em vendas anuais é produzir mais a qualquer custo e, quando os custos ultrapassam a fatura, são sempre os trabalhadores os responsáveis por pagá-la. A empresa converteu as horas extras –que como a norma indica são aquelas que superam a jornada habitual de trabalho contínuo em permanentes, provocando uma série de distorções nas condições e no ambiente de trabalho que afetam seriamente os trabalhadores. Esta situação, que foi reiteradamente denunciada pelos sindicatos, não tem solução de continuidade se levarmos em consideração as vítimas que está provocando.

 

A última foi Aldo Saavedra, quem no domingo passado, 3 de maio, perdeu uma falange de um dedo da sua mão, em um acidente de trabalho ocorrido na fábrica de congelados do Complexo Macul. Mesmo que Aldo tenha tirado uma proteção da máquina que estava operando, a causa do acidente vai mais além de um erro do operário. Havia três semanas que Aldo estava trabalhando sem descanso semanal. No sábado, dia 2, trabalhou de 7 às 14 horas e, neste mesmo dia, voltou a trabalhar a partir das 23 horas, sendo que às 3 horas do domingo ocorreu o acidente.

 

Além das violações à legislação vigente, até que ponto a sucessão de jornadas de trabalho sem o correspondente descanso semanal influiu no acidente? Abundam os estudos mostrando que esta forma de intensificação do trabalho se traduz em mais acidentes de trabalho, patologias cardiovasculares, estresse, perturbações do sono e depressão, tudo o que a Nestlé sabe ou deveria saber.

 

As horas extras como arma antissindical

 

A urgência de produzir é tamanha, que na fábrica de congelados se trabalhou até no dia 1º de Maio passado. Mesmo que o trabalhador possa optar por trabalhar ou não nos feriados, o que ocorre é que ele se vê diante da alternativa de ir trabalhar ou ser despedido. Na Direção do Trabalho existe uma denúncia do Sindicato dos Trabalhadores Nº 1 da Nestlé Chile Divisão H.R.  onde a empresa é acusada de ter despedido 20 trabalhadores sindicalizados durante 2008 e 16 trabalhadores sindicalizados até março de 2009. Todos eles -com contrato de trabalho indefinido e alguns com 15 e 20 anos na companhia- foram despedidos recorrendo ao nefasto artigo 161 do Código do Trabalho: “necessidades da empresa”. A partir do momento em que os despedidos foram imediatamente substituídos por trabalhadores novos, a suposta necessidade se converte em um argumento grosseiro e enganoso.

 

Como se o fato anterior fosse pouco, o Sindicato também denunciou um comunicado ao pessoal exibindo a foto da Sra. Ivonne Avilés, Chefe (sic) de Recursos Humanos da Nestlé Macul, onde, configurando uma  clara medida antissindical, responsabiliza o Sindicato pela suspensão das horas extras*. O que a Sra. Avilés não diz, é que a fiscalização, a que faz referência no número 1, foi solicitada devido ao seu interesse de que os salários gerados no domingo passado, 7 de dezembro, fossem pagos sem nenhuma sobretaxa.

Agora, esta senhora que prefere ser “Chefe” e não “Chefa”, corre o risco de estar gerando outra denúncia, já que ordenou a colocação de câmeras de TV nos vestiários dos trabalhadores e, diante do protesto dos dirigentes sindicais, argumentou: “não se preocupem, pois não estão conectadas”.

 

Inadequadas condições de saúde e segurança

 

Estas são as condições e o clima em que se trabalha na fábrica Macul da Nestlé Chile. Existem outras condições de trabalho inadequadas, das quais nos ocuparemos em uma próxima entrega, entre outras:

 

1)       Nas tarefas de limpeza usa-se peróxido de hidrogênio, composto químico que, em baixa concentração, é conhecido como “água oxigenada”. Como os exaustores da fábrica não renovam o ar suficientemente rápido, vários trabalhadores notam que os seus cabelos estão ficando com uma coloração amarelada. Muito mais do que converter à força os trabalhadores em loiros, não se sabe nada ainda sobre as consequências internas, especialmente no aparelho respiratório.

 

2)       Também se utiliza cloro na limpeza e, quando este se mistura com os detergentes usados com o mesmo fim, se produz uma reação denominada “bomba” pelos trabalhadores. Se considerarmos que o cloro foi utilizado como arma na Primeira Guerra Mundial e recentemente na Guerra do Iraque, o qualificativo não é nem um pouco exagerado.

 

3)       Em algumas seções, os trabalhadores devem levantar pesos próximos aos 80 quilos, em clara violação à legislação vigente.

 

Declaram-se responsáveis sem envergonhar-se

 

Apesar das anormalidades assinaladas, a Nestlé Chile se esforça para manter a imagem de uma companhia que respeita os princípios contidos e geralmente não cumpridos– na chamada responsabilidade social empresarial. Fernando del Solar, Presidente Executivo da Nestlé no Chile, foi eleito em 2007 diretor da Acción RSE, associação que, de acordo com o seu Web site, pretende “sensibilizar, mobilizar e apoiar as empresas para administrar os seus negócios de forma socialmente responsável”. Para isso, uma das cinco áreas de ação que promove, é a “Qualidade de Vida Trabalhista” (sic). Supomos que Don Fernando não tenha assistido a nenhuma das reuniões convocadas sobre este assunto.

 

Em outra ordem e como uma forma de mostrar por onde passam as preocupações do governo, Marigen Hornkohl, ministra chilena da Agricultura, acaba de visitar a Suíça, onde foi entrevistada por Paul Bulcke, CEO da Nestlé, para quem propôs que a companhia se unisse à aliança estabelecida com as autoridades holandesas (Unilever mediadora?) para estabelecer um centro de excelência em matéria de inovação alimentar.

 

Chegou Pappalardo e botou para quebrar

 

Carlos Pappalardo é um engenheiro argentino que em 2003 chegou à República Dominicana, mais concretamente na fábrica da Nestlé em San Francisco de Macorís. O gerente regional o nomeou gerente geral da tal fábrica, contrariando a opinião da direção local, com o argumento de que se deveriam instalar novas máquinas e era necessário reduzir as paradas de produção. Logo Pappalardo começou a demonstrar uma personalidade autoritária e prepotente, justificada pela sua forma particular de entender o mando: “sem negócio perco a autoridade”. Os trabalhadores o apelidaram de “o pequeno Hitler” e durante a sua gestão aconteceram injustificadas demissões em massa e o desconhecimento dos direitos trabalhistas. As condições de trabalho não eram algo que lhe tirasse o sono, em 2003 um trabalhador denunciava: “trabalhamos a 32, 33 graus de temperatura e com níveis de ruído de 85 decibéis… trocamos de camisa quatro ou cinco vezes por dia, transpiramos até quando descansamos”.

 

As coisas chegaram a tal ponto que Pappalardo deixou de ser um problema para o sindicato, para se converter em um problema para as forças vivas da sociedade de São Francisco de Macorís. Em 2005, 200 dirigentes de base do Fórum Social Alternativo da província de Duarte se reuniram em frente à fábrica da Nestlé fortemente protegida por soldados do Exército com a finalidade de entregar um documento manifestando seu apoio ao sindicato e solicitando a reintegração dos trabalhadores injustificadamente despedidos.

 

Pappalardo abandonou a República Dominicana tão inesperadamente como chegou e por mais de um ano não soubemos onde estava. Agora sabemos que durante esse tempo ficou em algum escritório da Nestlé em Santiago, aparentemente com a intenção de que nos esquecêssemos dele. Agora acaba de aparecer como gerente da fábrica Graneros** e é bom que saiba que o temos muito presente. E mais, pensamos que muito em breve começará a dar o que falar.

 
 

Em Montevidéu, Enildo Iglesias

Rel-UITA

8 de junio de 2009

Enildo Iglesias

 

 

 

* Ver nota e tomar nota do título “Estimados Colaboradores”.

** A fábrica da Graneros, localizada na localidade do mesmo nome a 75 kilômetros ao sul de Santiago, é uma das sete fábricas que a Nestlé possui no Chile. Até 1936, quando foi adquirida pela Nestlé, funcionava com o nome de Sociedade Nacional Leiteira de Graneros. Em 1988 recebe um forte investimento destinado à produção de cereais para o desjejum, complementada em 2003 por uma nova planta de cereais infantis. Em 2007, com um investimento de 12,5 milhões de dólares inaugura-se em Graneros a planta Top Cup de misturas para café.

 

 

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