-Como era a
relação com a empresa?
-A
princípio, quando entrei na fábrica, as relações eram muito boas. Mas há uns
cinco anos contrataram uma nova gerente de Recursos Humanos, Ana Isabel,
e as coisas mudaram completamente. Começaram a maltratar os funcionários, e
nós mulheres éramos muito discriminadas. Apesar de que eu estivesse
preparada para assumir outro posto nunca me deram; preferiram trazer gente
de fora que encaixava no que eles queriam. Era uma empresa muito boa, mas
estas pessoas a estragaram -como a senhora Isabel- estas pessoas que
foram trazidas das zonas francas.
-Havia
perseguição sindical?
-Claro, se
você fosse do sindicato era discriminado por eles. E os que ainda não eram
sindicalizados, eles diziam que se não se filiassem as coisas iriam melhorar
para eles, e que receberiam mais benefícios. Agora os que eram
sindicalizados não eram levados em consideração.
-Como você
viveu o dia de fechamento da fábrica?
-Foi
terrível para mim, porque foi completamente de surpresa. Três dias antes eu
fiquei sabendo que estava grávida. Essa manhã, quando chegamos, não nos
deixaram entrar na fábrica e nos mandaram esperar na área de estacionamento.
Ali nos disseram que a fábrica estava fechada. Foi terrível, porque a
situação econômica deste país está péssima, cada dia pior, e saber que
ficaríamos sem emprego… Foi horrível!
Então,
quando me demitiram, eu disse que estava grávida e quis o pagamento pelo
período de lactância, mas me responderam que só me dariam indenização por
seis meses e nada mais. Senti uma grande angústia pelo futuro, pela situação
em que está o país e porque, da noite para o dia, depois de haver estado
tanto tempo com eles, não merecia esse maltrato. Tudo isso me deprimiu
muito. Quatro dias depois do fechamento da empresa, comecei a ter
hemorragias e perdi a gravidez.
Eles nos usam, e quando vêem
que já sugaram tudo de nós, que já não lhes servimos, nos jogam fora como lixo.
Essa é a Nestlé. |
-Você tem
outros filhos?
-Uma moça e
dois garotos. Mas, imagine, a gente já não tem nada, e aqui a situação está
muito mal. Tudo isso fica na nossa cabeça e nos deprime muito. Às vezes, não
conseguimos nem dormir de noite, de tanto pensar em como solucionar os
problemas, porque aqui conseguir outro trabalho está bem difícil. Eles não
pensaram em nada disso. Nós dedicamos muitos anos trabalhando para a
Nestlé
para que fizessem uma coisa dessas conosco, nos tratando como criminosos.
No dia do
fechamento da fábrica, estava cheio de policiais. Os nossos armários tinham
sido trancados e não queriam nos deixar passar. Eles armaram um cerco
policial como se fôssemos uns delinqüentes. E foi terrível para todos nós.
Eu acho que perdi a gravidez por causa de tudo isso, porque antes estava
bem, me sentia muito bem. Agora está correndo o rumor de que é uma manobra
da gerência para tirar o sindicato da jogada, e que vão abrir de novo a
fábrica com pessoal não sindicalizado.
-Você tem
notícias dos seus ex-companheiros e ex-companheiras?
-Sim, eu os
vejo quase sempre. Nenhum deles ainda conseguiu trabalho. Dizem que a
Nestlé
organizou uma reunião e muitos foram acreditando que haveria novamente
emprego, mas era só uma conversa. Foi uma manobra para tranqüilizar as
pessoas. Eles são muito maus. E querem que o público acredite que são muito
generosos, mas que nada! Eles têm muito pouca humanidade com as pessoas que
trabalham para eles.
-O que você
espera do futuro?
-Espero que
Deus me abra caminhos, porque isto está muito difícil aqui. Do dinheiro que
me deram pela demissão já não sobra muita coisa, porque mantendo as
crianças… o dinheiro vai embora…
-Você está
sozinha com as crianças?
-Sim. A
mais velha tem 18 anos, o garoto mais velho tem 16 e o mais novo vai fazer 2
anos.
-Como você
descreveria a Nestlé?
-É uma
empresa que maquia as coisas. A
Nestlé
não tem humanidade. A
Nestlé
não se importa com a forma como os seus trabalhadores vivem. Havia alguns
com dez e até 14 anos de trabalho na empresa, outros que foram demitidos
porque tinham problemas de saúde. Eu me lembro do caso de uma companheira
que tinha problemas nos joelhos, e como trabalhamos em pé, ela sofria. Então
a empresa a demitiu. Depois, graças ao sindicato conseguimos cadeiras, mas
quando estragaram, eles não repuseram. Eles nos usam, e quando vêem que já
sugaram tudo de nós, que já não lhes servimos, nos jogam fora como lixo.
Essa é a Nestlé.
-Havia
muitos casos de LER na fábrica?
- Sim, além
dessa pessoa que eu já comentei, havia outras mulheres com dores nas pernas,
e nos joelhos. Uma delas já não podia estar em pé, porque ficava com as
veias inchadas e sentia dor. Também havia gente com dor nos braços. Eu me
lembro que a senhora Dominga, uma companheira, quando nos demitiram,
ela me disse “Eu vou embora daqui, mas já não sirvo para nada”. Eles sabem
de tudo isto, mas isso não importa. Só interessa a eles que a pessoa faça o
seu trabalho e nada mais. Veja como fizeram conosco, quando já não servíamos
mais, nos jogaram fora!
-Como era o
salário? Era bom?
-O salário
melhorou muito quando formamos o sindicato. Quando eu entrei na empresa era
de 1.800 pesos mensais (53 dólares) e esta gente nos aumentava 50 pesos por
ano! Agora eram cerca de 9.000 pesos (265 dólares). Mas eles começaram a
reajustar os salários sob a pressão do sindicato. Não tínhamos uniforme, nem
sapatos. Todos os benefícios conseguimos por meio do sindicato, porque esta
gente não nos dava nada. Para conseguir um empréstimo havia que “adoecer”
algum parente, porque sempre nos negavam, mas a Ana Isabel, a gerente
de Recursos Humanos, com apenas dois meses na empresa, recebeu um empréstimo
suficiente para comprar um carro.
-O que você
diria aos trabalhadores e trabalhadoras da Nestlé em todo o mundo?
-Que não se
deixem explorar, que lutem pelos seus direitos. E que não confiem na
Nestlé,
já que a única coisa que faz é usar os seus trabalhadores.
-E o que
diria àqueles que compram produtos
Nestlé?
-Que se
informem sobre o sacrifício com que esses produtos são feitos.
Freqüentemente, eu dizia às minhas companheiras que se as mães soubessem
como as pessoas são tratadas na fábrica, eu acredito que muitas não
comprariam os sorvetes da
Nestlé
para os seus filhos.