Após 3 anos da morte da freira, falta apoio para
manter assentamentos
Três anos depois da morte da missionária americana
Dorothy Stang, seu plano de transformar uma
área de quase 200 mil hectares em Anapu, no oeste do
Pará, em um modelo de exploração sustentável da
floresta por agricultores familiares está
praticamente parado. Mais da metade do território
que deveria virar assentamento continua invadido por
fazendeiros e madeireiros. Apenas 317 famílias
foram assentadas nos Projetos de Desenvolvimento
Sustentável (PDS) que a irmã defendia - o
plano era atender pelo menos mil famílias. Muitas
abandonaram os lotes por falta de condições mínimas
de sobrevivência.
Nenhuma casa foi construída, não há energia, água
potável nem atendimento médico. As escolas são
distantes. A maioria dos assentados continua como
ocupante precário, pois a imissão de posse, que
devolve as terras ao governo e possibilita o
assentamento, não saiu. Como não há estrada para
escoar a produção, as famílias que pegaram
financiamento ficaram inadimplentes. Por falta de
matéria-prima, uma unidade de processamento de
frutas construída pela freira com recursos do
governo fechou as portas há um ano.
O
padre José Amaro Lopes de Souza, de 41 anos,
que assumiu o projeto, critica a “inércia” do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra). “O projeto não era da irmã, era do
povo e devia ser colocado em prática pelo Incra,
mas quase nada aconteceu.” Ele diz que a luta da
religiosa não era apenas para retirar os invasores e
repartir a terra. “Era para assentar o trabalhador
e dar condições para ele permanecer.”
Desde a morte da irmã, houve a imissão de apenas 3
dos 15 lotes restantes. Um deles, o 130, recebeu a
imissão na semana passada, mas os invasores não
foram notificados. O oficial da Justiça Federal
Cássio Bittar, mesmo com veículo traçado, teve
dificuldade para ir até o local, pela precariedade
de acesso. Não encontrou ninguém para notificar. O
assistente técnico do Incra Sebastião
Farias disse que será feita uma vistoria: “Se
tiver invasor, será retirado.”
Assim que a equipe saiu, apareceram dois vaqueiros a
cavalo. Eles disseram que cuidam do gado de um
fazendeiro. Padre Amaro Lopes diz que o
Incra não tem força para retirar os invasores.
“O projeto deveria crescer, mas os PDS estão
cercados e os fazendeiros não saem.”
Venda de lotes
Os
assentados vivem sob o assédio dos que oferecem
dinheiro para que deixem a terra ou se oponham ao
modelo de exploração sustentável. José Carlos
Fernandes, de 34 anos, comprou um lote há 11
meses. “Dei uma geladeira e uma TV pelo benefício (benfeitoria).”
A compra é ilegal, mas ele disse que já entrou com
pedido de regularização no Incra. Há
suspeita de que tenha sido cooptado por um
fazendeiro. Os assentados sofrem pressões e ameaças.
Capangas circulam exibindo armas.
“As
pessoas que fazem parte da comunidade sentem medo”,
disse a assentada Ieda Souza, secretária da
Associação de Moradores do Virola-Jatobá, que reúne
46 famílias. “Meus irmãos de Santarém querem que a
gente vá para lá, mas a luta é aqui.”
No
anexo da Escola Alyria Prates, criada por Dorothy
no PDS Virola-Jatobá, a professora
Elvenilza Anunciação, de 24 anos, dá aula para 3
dos 9 alunos - os outros faltaram porque a chuva
formou grandes atoleiros. Assentada, ela caminha 4
quilômetros pela mata. Suja de lama, é obrigada a
se banhar num igarapé. A professora e o marido
querem se mudar para a cidade. Depois que o
fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura,
o Bida, acusado de ser mandante da morte da
freira, foi absolvido, a insegurança aumentou.
Para quem fica,
a esperança é a
lavoura de cacau introduzida por Dorothy. O
assentado José Pantojo, de 33 anos, calcula que um
terço das 281 mil plantas comece a produzir este ano. “Fiz por minha conta, porque o lote está na Justiça.”
É uma das áreas que tiveram a imissão de posse
contestada por Bida.
José Maria Tomazela
Amazonia.org
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