Segundo
denúncia feita pela Seccional da empresa Calvo Conservas El Salvador
S.A. de C.V. integrante do Sindicato Geral de
Trabalhadores da Indústria Pesqueira e Atividades Conexas (SGTIPAC),
vários trabalhadores e trabalhadoras foram submetidos a interrogatórios
com a aplicação do polígrafo, mais conhecido como “detector de
mentiras”.
Não
escapa a ninguém que os latino-americanos, especialmente os lutadores
sociais, sentem ainda, à flor da pele, a lembrança dos métodos de
tortura utilizados durante a repressão orquestrada pelos militares e
policiais responsáveis pela Doutrina de Segurança Nacional. A mais comum
daquelas torturas foi a aplicação de eletricidade nos corpos dos
prisioneiros e prisioneiras enquanto estes eram submetidos a
interrogatórios. Não há nada mais parecido com o choque elétrico do que
pôr em cena “um interrogatório com polígrafo”, que requer a colocação de
vários eletrodos diretamente sobre a pele de quem está sendo
interrogado.
Plenamente conscientes deste efeito, os dirigentes da Calvo
decidiram utilizar esta associação com o horror para dar um novo aperto
no parafuso do sistema de repressão sindical que montaram.
A
denúncia apresentada junto à Inspeção de Trabalho de El Salvador
pelo secretário geral do SGTIPAC Calvo Conservas, Mariano
Alexander Guerrero, é um relato que parece calcado nos testemunhos
dados pelos ativistas perseguidos na época da Guerra Fria.
Conta
Guerrero que “No dia 28 de junho de 2007, enquanto desenvolvia
meus trabalhos de maneira normal, por volta das 19 horas, Dora Lilián
Cruz, chefe de Produção, revelou que seria aplicada uma prova do
polígrafo em vários companheiros da minha área, motivada por supostos
atos de sabotagem ocorridos contra uma empilhadeira e contra uma linha
de produção. Ambos os fatos teriam supostamente acontecido em uma zona
diferente da qual desenvolvemos nossas tarefas cotidianamente, o que me
causou grande surpresa.
Posteriormente, a mesma chefe chamou um determinado trabalhador para
comparecer ao departamento de Recursos Humanos por meio dos
alto-falantes. Quando este trabalhador voltou, por volta das 21:15,
estava visivelmente alterado e fez questão de dizer a todos os seus
companheiros de trabalho, incluindo a mim, que no departamento de
Recursos Humanos lhe haviam aplicado uma prova do polígrafo, e que mesmo
com todos dizendo que era ‘voluntária’, negar-se a praticá-la era,
segundo a Administração, uma prova de que tinha algum envolvimento ou
conhecimento dos fatos.
Em
seguida, Dora Cruz começou a chamar outros trabalhadores. Às
22h30min, junto com José Antonio Valladares (secretário de
Organização e Estatísticas do Sindicato), me aproximei do departamento
de Recursos Humanos para verificar o que estava acontecendo e perguntar
se havia algum procedimento legal sendo desenvolvido.
Ali nos
encontramos com o senhor Rafael Orlando Merino Hernández, que
declarou ser da empresa CEPPOL (especializada nos serviços de
aplicação de provas de polígrafo). Diante da minha pergunta sobre qual
era a base legal para aplicar tais provas aos trabalhadores, ele me
respondeu que o procedimento que está sendo realizado era em razão de
supostas sabotagens em uma empilhadeira e em uma linha de produção
destinada ao moinho. Como estes fatos eram desconhecidos de todos, nós
lhe perguntamos se havia alguma ordem judicial e/ou policial para
aplicar as provas. Rafael Merino respondeu que eram ordens
administrativas da empresa e que, simplesmente, estava sendo pago para
fazer as provas, e que elas apenas procuravam indagar sobre a
’fidelidade’ dos trabalhadores com o patrão. Imediatamente pediu a minha
‘colaboração’ para fazer a prova. Como a minha negativa seria
interpretada como uma falta de fidelidade com a empresa, tive que
aceitar fazer a prova do polígrafo ainda que contra a minha vontade”.
O
relatado até aqui pelo secretário geral do SGTIPAC Calvo
Conservas já configura uma total selvageria implementada por uma
patronal que demonstra uma atitude mental própria de um carrasco do que
de um empresário. Porém há mais ainda.
“Durante a prova –continuou Guerrero– eles me perguntaram que
opinião eu tinha da mesma, se havia falhas no trabalho cotidiano, se o
meu chefe se comportava bem, se eu havia estado em reuniões onde foram
planejadas sabotagens, se havia recebido ameaças para não dizer quem
havia feito a sabotagem, se havia presenciado a suposta sabotagem e se
eu demonstrava fidelidade à empresa. Além disso, durante as provas do
polígrafo foram feitas perguntas referentes à atividade, participação
e/ou opinião sindical, tais como: Você pertence ao sindicato? Qual é a
sua opinião sobre os sindicalistas que estão dentro da fábrica? Acredita
que estão trazendo algum benefício para os trabalhadores? Estas provas
foram aplicadas em cerca de 20 trabalhadores e trabalhadoras dos turnos
diurno e noturno, entre os dias 28 e 29 de junho de 2007”.
Este
ato perpetrado pela empresa Calvo Conservas, além de subir mais
um degrau na escala repressiva contra o Sindicato e as trabalhadoras e
trabalhadores sindicalizados, deve ser considerado como tortura
psicológica, assédio e chantagem. Como tal, foi denunciado à justiça
Penal para que os representantes da empresa, que encomendaram esta ação
junto a uma companhia dedicada à aplicação do polígrafo, e quem sabe até
de outras “técnicas de interrogatório”, assumam suas responsabilidades
legais. Por outro lado, todo mundo sabe em El Salvador que estas
empresas são geridas por militares e policiais, quase todos da reserva.
Na Argentina, no final da ditadura, estes personagens eram
conhecidos como “a mão-de-obra desocupada”.
No
texto da denúncia apresentada à Inspeção do Trabalho, o representante
sindical expressou que “Esta situação viola o disposto no Art. 30 Ord.
5ª do Código do Trabalho”, segundo o qual é proibido aos patrões:
‘Fazer, por meios diretos ou indiretos, discriminações entre os
trabalhadores pela sua condição de sindicalizados ou fazer represálias
contra eles pelo mesmo motivo’.
Por
outro lado, – continua a denúncia – as perguntas realizadas nas provas
do polígrafo constituem uma clara intimidação e violentam o direito à
livre sindicalização, consagrado no Art. 47 da Constituição da
República, uma vez que tem como última finalidade a de intimidar os
trabalhadores da empresa para, desta forma, evitar que se filiem ao
nosso Sindicato, situação que contraria o disposto no Art. 30 Ord. 4ª do
Código do Trabalho, o qual estabelece que seja ‘proibido aos patrões:
4º) Tentar influenciar os seus trabalhadores no que se refere ao
exercício do direito de associação profissional’.
Finalmente, é oportuno assinalar que a forma como a empresa procede
violenta as garantias de proteção sindical, estabelecidas nos convênios
87, 98 e 135 da OIT, os quais foram ratificados por nosso país
em agosto de 2006, e têm plena vigência no país em virtude do
disposto tanto na Constituição da OIT como na Declaração sobre os
Princípios e Direitos fundamentais no trabalho de 1998.
Por
tudo que foi exposto anteriormente pedimos à Inspeção do Trabalho:
-
Realizar, o mais breve possível, uma inspeção especial de trabalho
para verificar as práticas empresariais de discriminação e
intimidação anti-sindical, que constituem violações do direito à
liberdade sindical dos trabalhadores da Calvo Conservas El
Salvador S.A. de C.V.
-
Determinar à empresa a suspensão imediata da intimidação
anti-sindical.
-
Notificar o Sindicato da data de realização da inspeção para
podermos estar presentes durante o desenvolvimento da mesma,
conforme o disposto no Art. 47 da Lei de Organização e Funções do
Setor de Trabalho e Previsão Social (LOFSTPS).
-
Encaminhar a nós a certificação da ata de inspeção.
Este
lamentável episódio será incluído na informação complementar à queixa
junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) instruída
como o caso número 2571, apresentado, no dia 12 de junho passado, pelo
SGTIPAC junto à Federação Sindical dos Trabalhadores
Salvadorenhos do Setor de Alimentos, Bebidas, Hotéis, Restaurantes,
Agroindústrias (FESTSSABHRA) e com o apoio da UITA.
Finalmente é necessário precisar que em El Salvador existe um
vazio legal sobre a utilização do polígrafo no campo trabalhista. Como
imaginamos que Calvo Conservas se apoiará nesta carência para
justificar sua crueldade, lançamos um desafio: os executivos da Calvo
se atreveriam a se submeter ao polígrafo para responder a nossas
perguntas?
Carlos Amorín
© Rel-UITA
9 de julho de 2007 |
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