Em
fevereiro fez quatro anos que a irmã Dorothy Stang,
73, missionária da congregação de Notre Dame, foi
assassinada com seis tiros à queima-roupa, em Anapu
(PA). Conheci-a em meados dos anos 1970, quando
preguei retiro espiritual no Maranhão, do qual ela
participou.
A inserção de Dorothy no conflito fundiário
na Amazônia teve início em 1982, quando o bispo Dom
Erwin Krautler (também ameaçado de morte), da
prelazia do Xingu, a indicou para trabalhar na
pequena localidade de Anapu, cortada pela rodovia
Transamazônica, na qual o fracasso dos projetos
mirabolantes da ditadura militar deixaram um rastro
de miséria e conflitos. «Ela queria dedicar a vida
às famílias isoladas que estão na miséria. Daí eu
indiquei a Transamazônica leste, o trecho entre
Altamira e Marabá. E para lá ela foi », conta o
bispo. Com área de 11.895 km2 e cerca de 8 mil
habitantes, Anapu é marcada por conflitos
decorrentes de disputas de terras.
Desde os anos 80 intensificaram-se, naquela região,
o desmatamento da floresta, sobretudo na área
conhecida como Terra do Meio, agravando a disputa
entre grileiros, madeireiros, posseiros e pequenos
agricultores. Inspirada em Chico Mendes,
Dorothy empenhou-se na criação de reservas
extrativistas. «Os moradores que estavam nesses
lugares sempre eram retirados porque chegava alguém
e dizia que já era dono daquela terra», lembra
Toinha (Antônia Melo), do Grupo de Trabalho
Amazônico em Altamira (PA), amiga da religiosa
assassinada. Dorothy lutava por projetos de
desenvolvimento sustentável e pelo direito de os
pequenos produtores terem acesso à posse da terra.
Em junho de 2004, em Brasília, Dorothy depôs
na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a
Violência no Campo, quando denunciou a impunidade
como fator de agravamento dos conflitos. Toinha
afirma que Dorothy era «uma mulher comprometida com
a justiça, com as causas sociais, com o meio
ambiente e o desenvolvimento responsável».
Dorothy
nasceu a 7 de junho de 1931, em Dayton (Ohio), nos
EUA. Veio para o Brasil em 1966. Em
Coroatá (MA), trabalhou com as Comunidades Eclesiais
de Base integradas por pequenos agricultores. Devido
ao avanço do latifúndio, muitas famílias abandonaram
suas terras e migraram para o Pará. Dorothy
as acompanhou.
Seu apoio aos assentamentos baseados na agricultura
familiar, voltados às atividades extrativistas de
subsistência e reduzido impacto ambiental, provocou
a ira de grileiros e latifundiários da região.
Quando uma área de Anapu foi destinada ao projeto
conhecido como PDS (Pólos de Desenvolvimento
Sustentável), os grileiros a invadiram e ameaçaram
as famílias, obrigando-as a se retirar.
O promotor do Ministério Público do Pará, Lauro
Freitas Júnior, declarou não ter dúvidas de que
o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o
Bida, e o pecuarista Regivaldo Pereira
Galvão, o Taradão, fizeram um consórcio
para financiar o assassinato da missionária
Dorothy Stang. “É necessário ir além da morte. O
que está por trás não é só o mandante, mas toda uma
estrutura que não envolve só o estado do Pará, mas
todo o Brasil”, disse dom Tomás
Balduíno, um dos fundadores da Comissão Pastoral
da Terra (CPT) e seu presidente até 1999. As
duas principais causas de crimes na zona rural, como
o assassinato da irmã Dorothy Stang,
são a tradicional impunidade dos latifundiários e a
falta de regularização da posse da terra. Uma das
grandes dívidas do governo Lula é a tão esperada e
prometida reforma agrária!
Em maio de 2008, o fazendeiro Vitalmiro Moura,
o Bida, levado a júri pela segunda vez, foi
absolvido. A sentença não é definitiva, permite
recursos. No primeiro julgamento, ele havia sido
condenado a 30 anos de prisão. O pistoleiro
Rayfran das Neves Sales, réu confesso, foi
condenado a 28 anos de reclusão. Confirmou-se, mais
uma vez, uma característica perversa do sistema
judiciário brasileiro: neste país quem não é pobre
goza de plena imunidade e impunidade.
Rayfran das Neves
mudou seu depoimento 14 vezes! A demora em processar
os responsáveis foi fundamental na construção da
impunidade. O resultado do júri demonstra a
importância de se federalizar casos emblemáticos de
violação dos direitos humanos, como quer a
Secretaria Especial de Direitos Humanos da
Presidência da República. Assim, seria possível
evitar que autoridades judiciárias e o júri fiquem
vulneráveis às pressões locais. O STJ (Superior
Tribunal de Justiça) negou o pedido de federalização
do caso Dorothy Stang.
O pecuarista Regivaldo Pereira Galvão, o
Taradão, passou um ano e três meses na prisão e
fugiu após ser beneficiado com habeas corpus
concedido pela STF (Supremo Tribunal
Federal). Felizmente foi preso no dia 29 de dezembro
de 2008, quando, de novo, tentava se apropriar
ilegalmente de terras em Anapu.
Segundo a CPT, 819 pessoas, entre 1971 e
2007, morreram vítimas de conflitos agrários no
Pará. Desses crimes, apenas 92 resultaram em
processos. Desses processos, 22 foram ao Tribunal do
Júri: só seis mandantes foram condenados. Apenas
Taradão está preso.
Frei Betto
Tomado de ALAI
2 de abril de 2009
|